O Milésimo Gol
Desde que Romário começou a dizer que faltavam poucos gols para ele completar mil, ninguém mais falou em outra coisa, primeiro foram marcados
jogos-treino contra times inexpressivos no campo do Vasco para acelerar o processo, depois, esgotada esta fase de sparings fracotes, ele saiu jogando pelo mundo afora no afã de realizar o feito tão aguardado, chegando mesmo a jogar em times semiprofissionais dos Estados Unidos e da Austrália; em seguida, quando faltavam apenas dois gols para ele atingir o número mágico, se formou uma grande expectativa e vieram até jornalistas estrangeiros para cobrir o evento. Quando ele marcou 999º gol contra o Flamengo em um jogo pelo campeonato carioca, a expectativa explodiu a ponto de criar um stress tão grande que acabou prejudicando inclusive o time do Vasco da Gama.
Isso tudo me fez pensar: o que leva um ser humano a pagar preços, às vezes elevadíssimos, pela fama? O que faz as pessoas se disporem a fazer qualquer coisa para se manterem em evidência? Será que isso se manifesta apenas naquelas pessoas que vieram das camadas mais pobres da população e atingiram os píncaros da glória ou acontece com qualquer um?
Saído das profundezas sociais da favela do Jacarezinho no Rio de Janeiro, Romário durante alguns anos freqüentou as páginas esportivas e colunas
sociais dos principais jornais do mundo, desfilava em carros caríssimos com mulheres lindíssimas até atingir o ápice levando a seleção brasileira de
futebol a conquistar o tetracampeonato mundial nos Estados Unidos em 1994. De lá para cá começou o declínio paulatino daquele que foi um dos maiores centroavantes que o mundo já viu, os cabelos foram rareando e os que ficaram se tornaram grisalhos, o corpo foi se tornando mais pesado retirando dele a velocidade que outrora o transformara no mágico da grande área.
Os últimos episódios são mesmo de fazer pensar, o que será que se passa na mente de um ser humano ao sentir se esvaírem entre os seus dedos a fama e a notoriedade? Embora neste caso isso o tenha acompanhado até mesmo neste evento. Para nós, mortais comuns, pelo menos para mim, a riqueza, se atingida abruptamente, causaria o efeito contrário, eu procuraria o máximo de discrição possível, mas isso é característica da personalidade de cada um. Imagino que a fama vicie como uma espécie de droga que vai sendo ministrada inicialmente em doses homeopáticas até se tornar vital para o seu usuário e o ocaso da notoriedade deve funcionar como um tratamento para desintoxicação, sendo retirada aos poucos o que, em muitas ocasiões, leva a surtos como alguns que assistimos neste processo recente.
Será que o ser humano comum como eu e você temos também em nossas vidas diárias este tipo comportamento? Talvez o episódio Romário possa nos ensinar algumas coisas, pois, em grau muito menor, é claro, temos nossos momentos de fama e notoriedade, seja no trabalho, na escola, no bairro em que moramos e até mesmo em nossas casas, muitos de nós já fomos famosos na escola, seja pelas notas altas, seja pelas notas baixas ou pelas indisciplinas; alguns já foram motivo de homenagens e promoções no trabalho ou então de demissões inesperadas; no bairro já organizamos festas juninas ou excursões e em casa já ocupamos os cargos de chefe(a) de família, chefa de família então é muito mais notório pela sua dificuldade e necessidade de bravura, de pai ou de mãe de primeira viagem e assim sucessivamente. O que sentimos quando retornamos à nossa escola da infância e constatamos que todos os nossos “feitos escolares” foram completamente esquecidos? O que dizemos quando, aposentados, vamos ao antigo local de trabalho para visitar os amigos e notamos que muitas das coisas que criamos no trabalho deixaram sumariamente de ser praticadas? Que tristeza que dá quando voltamos ao bairro onde vivemos durante tantos anos e verificamos que já não existem mais as festas que organizávamos outrora? O que sentiríamos se fossemos depostos do cargo de chefe(a) de família? Na verdade eu acho que todos nós sentiríamos em maior ou menor grau aquilo que o “Mago da Grande Área” sentiu nesses últimos meses.
Em resumo, o que acontece é que o ser humano ainda não compreende bem o que significa a vida na Terra, distraído pelas sensações materiais nas quais as guloseimas sociais como a fama e a notoriedade estão inseridas, o ser humano perde o foco do seu mundo interior onde acontecem os fatos que efetivamente o influenciam e decidem o seu futuro, qualquer um de nós pode passar por experiências materiais fortíssimas, seja para o mais seja para o menos, e sair dela engrandecido ou depauperado de acordo com as suas atitudes, pensamentos e ensinamentos auferidos, uma vez que nenhum espírito nasce pobre e morre rico ou vice-versa e que nenhum espírito nasce desconhecido e morre famoso ou vice-versa, essas são coisas do mundo comezinho, o verdadeiro significado da vida é sair dela melhor do que nela entrou, este sim é o milésimo gol.
Leo Sliwak