Corinthians 4 X 3 São Paulo
— Chico, mas você está virando do avesso mesmo! Indo pra São Paulo assistir um jogo de futebol?
É minha mãe falando, quando soube que o filho, avesso a futebol, ia assistir o clássico.
— Não sei se é do avesso, mas você sabe que estou sempre me virando pra não queimar de um lado e ficar cru do outro! Eu nunca andei na linha, né, mãe?
— Em que torcida você vai ficar?
— Mãe, como é que eu vou saber, se não fui eu quem comprou o ingresso!?!
— Que mal educado, eu quero saber onde você vai sentar, pra eu procurar você quando a TV mostrar o público…
— Quem foi que me educou, oras!?! Tá bom, eu ligo pra você quando chegar no estádio e digo onde estou, tchau!
E parti pra São Paulo em busca de emoção! Na verdade, o que eu estou procurando é procurando fazer diferente do habitual, abrir portas novas pra me manter muito vivo e saudável. Nada melhor do que sair da rotina e aceitar os desafios que a vida coloca.
Claro que eu estava nervoso e com um certo medo… Previ cada catástrofe que poderia se abater sobre mim naquele domingo. Vou de carro ou de ônibus? De ônibus, que a marginal pode inundar. Vou de sandália ou de sapato? De sapato, se houver pisoteio eu me safo mais rápido como os pés protegidos. Levo comida ou me arrisco comer o que houver no estádio? Levo uma garrafa pra fazer xixi dentro ou enfrento a fila nos banheiros? Levo documento, dinheiro, mochila? E se eu for assaltado?
Tudo isso eu pensei, pesei e decidi que valia a pena aceitar o convite do meu amigo frances (o mesmo que levou a picada de marimbondo no olho) e acompanha-lo no jogo. Ele estava indo exclusivamente para que sua filha visse uma partida de futebol num estádio brasileiro. Nos encontramos na Avenida Paulista e, como bons estrangeiros, eles queriam almoçar num lugar folclórico; um tal de Samba com Feijoada das Tias Bahianas Paulistas, na Vila Madalena.
— O que? Isso existe? perguntei. Vocês tem certeza que o nome é esse?
— Meos amigs von nessi lugarr tod domingo, clarro que egsiste!respondeu a filha do meu amigo.
Bem, o lugar existia mesmo, mas era uma pequena armadilha pra ingles ver. Uma feijoada comuníssima (sem laranja, sem pimenta, sem caipirinha… enfim, sem graça!) por 20 reais e um samba gravado (acho que os músicos tiveram algum problema, porque os instrumentos estavam todos lá). Comprei a ficha e fui pegar a comida. A mulher me pergunta:
— O que o senhor vai querer?
__ Bem, o que é que tem pra comer?
— Só tem feijoada, moço.
Dei a ficha na mão dela e claro que não disse uma palavra do que estava pensando…
Essa mistura de bahiano com paulista não foi feliz… Preferia ter comido um acarajé mais adiante numa banca, mas, de repente, foi melhor a feijoada, vai que o acarajé me soltasse o intestino no meio do jogo!
Trimmmmmmmmmmmmmmmmm!!! Era minha mãe querendo saber se eu já estava no estádio.
— Nada, estamos aqui na Vila Madalena num samba das tias bahianas paulistas comendo uma feijoada pra ingles ver.
— Você bebeu, meu filho? Tá tudo bem?
— Bebi nada mãe, nem caipirinha tem aqui!
— Se cuida e me liga quando estiver lá dentro, então!
Minha mãe é sãopaulina roxa, dessas de vestir camisa, chapéu e bandeira na mão e desfilar assim na rua nos dias de final de campeonato. Já foi até entrevistada pela Rede Globo e guarda o video com carinho e orgulho. Ela queria é sentir a emoção do som de dentro do estádio, mesmo que fosse pelo celular do filho.
Barriga cheia, toca pro Pacaembú que o tempo é pouco e a caminhada é longa. A um quilometro do estádio começa o assédio dos cambistas e vendedores de capa de chuva que derrama seus primeiros pingos. A emoção aumenta e o número de policiais também. Carro não passa nas ruas próximas ao estádio, de tanta gente circulando.
Toca de novo o telefone, adivinha quem é…
— Não, ainda não estou dentro do estádio, mãe. O que? Protetor solar? Claro que não mãe, aqui tá chovendo, nem sinal de sol. Eu te ligo de lá de dentro, fica tranquila que eu ligo.
Na entrada do estádio, descobrimos que o tobogã era da torcida do Corinthians, achei bom, me parece que Corinthiano eramos maioria; quem tem o mando de jogo sempre tem mais ingressos à disposição. Os gritos já se fazem ouvir, rojões estourando sem parar. Escolhemos um lugar bem lá em cima, com mais visão do jogo. Bem instalados eu cumpro a promessa e ligo pra minha mãe. Ela fica eufórica, pergunta se tem muita gente, se eu vi o Rogério Ceni, o goleiro do São Paulo, me faz desenhar o quadro do estádio todo. Ao final ela adverte:
— Não vai ficar louco aí, meu filho!
Como é que ela sabia que tinha gente fumando maconha adoidado por ali?
— Mãe, por que tá me falando isso?
— É por causa do que tão mostrando na televisão, não dá pra ver daí?
Realmente, do outro lado do estádio tinha um enorme banner onde se lia: Louco, louco, louco de amor pelo Corínthians! Tava explicado!
Começou o jogo! Todo mundo se levanta e vai ficar assim até o fim da partida. Jogo disputado, é xingamento pra todo lado, o povo só para de gritar no intervalo. Sai o primeiro gol, eu nem vi direito e fico esperando o replay inexistente. Frustração. Nem gritei. Segundo gol do Corinthians, resolvi entrar na onda e gritei junto com a turma. Sensação de liberdade, de fazer parte!!!
Ainda fariam mais dois gols, fui aprimorando minha técnica de gritar e pular e no fim já estava cantando os hinos infames contra os sãopaulinos. Eu nem sabia o que diziam, o importante era gritar. Meus amigos entraram na onda, é uma catarse coletiva. Entendi porque tanta gente precisa ir aos estádios.
Fim do jogo, 4 X 3 pro Corinthians, lembrei da minha mãe. Ia ligar pra ela mas desisti, preferi embarcar na batucada dos vencedores. Sacanagem fazer ela ouvir o canto da vitória do inimigo… Encharcado, exausto, rouco, feliz e não me reconhecendo, fiz planos para o próximo jogo.
Chico Abelha