Antes do jogo
Fazia tempo, já, que não chovia. Depois, começou a chover uma vez por semana apenas. Chovia por hora e meia, se tanto tempo, enchia tudo, alagava o cruzamento das avenidas e as esquinas da cidade, encharcava as pessoas na rua e os bichos encolhidos nas calçadas, e logo o sol voltava - o calor nem se tinha ido - e secava tudo. Mais meia hora e era como se não chovesse havia tempos.
Então, inesperadamente, no domingo de Páscoa, apenas três ou quatro dias da última chuva, a tarde começa a escurecer, aos poucos ainda, por enquanto, iluminada pelo clarão súbito e fugaz de relâmpagos aqui e ali que se despedaçam sob uma camada espessa de trovões ameaçadores e sinistros, que no entanto latem mais do que mordem. Haverá de chover em breve e, provavelmente, será muita chuva. Com toda a certeza, haverá de ser um pequeno dilúvio a despencar bem na hora do jogo, exatamente quando estiver prestes a iniciar a partida de futebol.
Como aconteceu ainda outro dia, sob um furioso vendaval de Oeste que levou a chuva, de frente, até o último degrau das arquibancadas do setor D, levantando, arrancando e arremessando a longa distância partes metálicas retorcidas da cobertura das cadeiras. Mais quinze minutos e o estrago seria memorável. Por sorte, o que se soltou da estrutura, devido à ferocidade insana do vendaval, correu rolando por sobre o telhado - uma só peça daquelas que voasse por baixo do telhado, uma só lasca daquele ferro, e aço, e alumínio, e zinco, que se soltasse e se projetasse sob a coberta, seria lâmina afiada e sedenta para uma cortante destruição em massa. O que se soltou, rolou sobre a cobertura e caiu atrás do estádio, nos locais onde passam as pessoas e estacionam-se os carros: por sorte, o time vinha mal no campeonato e não havia, por isso, gente caminhando antes do jogo nem carro parado naquele terreno baldio em que se cravaram, no solo, pesados restos de metal arrancados pela tempestade.
Está agora quase começando a partida desta tarde pascoal e o vento sopra furioso, o céu não cessa de espocar luzes coruscantes que buscam ávidas o chão de terra ou de água, o ronco da trovoada é então quase um rugido constante e incansável — e a chuva chega, desvairada e forte, açoitando todo mundo com rajadas cambiantes até fixar sua direção, seu Norte: ela vem precisamente de Nordeste e lava os degraus das arquibancadas encurralando o pessoal, os torcedores, nos derradeiros níveis de cadeiras, em busca inútil de uma cobertura, um abrigo que os proteja da borrasca. A chuva vem fria e consigo despeja o granizo.
O efeito mais imediato da água que nos metralha quase na horizontal é a suspensão forçada da redação deste texto: homem de arquibancada de estádio, não disponho dos vidros e paredes de um camarote para observar o espetáculo e seus atores, exatamente, de camarote. Sou parte da trupe, mero figurante, é verdade, no meio de outros nove mil torcedores anônimos.
Na hora do jogo, porém, o temporal já se tinha ido sabe-se lá para onde, o gramado perfeito escoara toda a água que se acumulara, o sol já iniciava seu retorno de detrás das nuvens e a partida começou sem atraso.
Chuvas de Norte vêm sempre de Joinville, cidade em que chove sempre, mesmo em tempos de seca geral. E foi justamente o Joinville que entrou em campo, mas de nada lhe valeu a chuva trazida consigo, derrotado que se viu por 1 a 0 pelo Avaí, completando 11 anos sem conseguir vencer o Leão da Ilha na Ressacada, faça chuva ou faça sol, faça frio ou calor.
Falando sério
Antes de qualquer palavra, não custa repetir o que os adversários sabem e choram por não terem como ignorar: até 19 de maio, dia do segundo jogo da final deste Estadual, o campeão catarinense é o Avaí. E nada proíbe que 2013 seja o segundo ano do nosso tetracampeonato. Nem mesmo o fato de que, de Santa Catarina, metade dos times disputa as séries A e B do Brasileirão e as outras cinco equipes brigam por uma vaga na Série D.
Como nem tudo é perfeito, sofremos ainda a síndrome de 2012, de um ataque que não produz gols. Centroavantes artilheiros em outros clubes só tornam a marcar depois que saem do Avaí. Deve haver tratamento para isso. Ou, por outra, deve haver algum centroavante por aí, talvez por aqui, que não tome conhecimento dessa síndrome e saia fazendo gols da forma como dão os cocos: às pencas.
Títulos estaduais são ótimos (e são ótimos e saborosos justamente porque conquistados às custas de todos os rivais), o campeonato na Copa do Brasil e o retorno à Série A, igualmente missões e sonhos para este ano, serão fantásticos, pois teremos a Ressacada com grandes jogos e grandes públicos contra adversários de respeito no cenário nacional e até internacional, teremos os nossos craques desfilando suas virtudes e categorias por vitrinas de primeira linha e teremos mais dinheiro circulando pelas finanças do Clube.
Isto é o que faz a grandeza de um clube de futebol: títulos, estádio, torcida, craques e dinheiro - o resto acontece, é decorrência desse conjunto básico de valores.
Desses valores, torcida talvez seja o mais sensível deles, o que possivelmente mereça a maior atenção por parte da diretoria, dos funcionários e dos atletas: não a torcida em si, bem entendido (apesar do inegável respeito que a torcida toda merece), mas a formação de torcida, ou seja, a conquista de novos torcedores que sejam entusiastas do Clube.
O importante, pois, é o Avaí empolgar os torcedores que vêm morar em Santa Catarina e, especialmente, vestir de azul e branco a garotada que nasce e vive aqui, os filhos dessa gente vinda de fora que torce por suas equipes originais e gostaria de ver seus meninos e meninas seguir-lhe os passos da mesma forma como uma família de médicos não admite que alguém dela nascido possa sonhar com os palcos, por exemplo, como meio de vida e profissão.
No mais, é lotarmos a Ressacada e torcer pelo bicampeonato, título que somente o Avaí poderá conquistar em 2013.
Amilcar Neves