ABL CONCEDE MAIOR HONRARIA A RONALDINHO GAÚCHO

       A ABL – ou seja: Academia Banal de Lerdos – concede maior honraria a Ronaldinho Gaúcho. O fim do mundo está realmente próximo. E já começou no Rio de Janeiro, onde a Academia Banal de Lerdos (ABL) outorgou a concessão do mérito de máxima relevância ao mezzo atacante Ronaldinho Gaúcho. A medalha concedida é também a máxima desmoralização contra a classe literária e intelectual do Brasil. Como poderia um autor sério, de amplo reconhecimento pela qualidade de sua obra no país e no exterior, vir a almejar pertencer doravante em nível honoris causa à Casa de Machado de Assis impunemente, sabedor de que poderá ouvir em qualquer lugar que um jogador de futebol em plena decadência esportiva, boêmio, pagodeiro, vazio, tem o mesmo mérito do imortal que por toda uma vida ralou para fazer jus ao respeito nacional e do leitorado estrangeiro?
       O que o título de Machado de Assis concedido acrescenta alguma coisa à vida desse jogador que não foi capaz de citar títulos de dois livros que já tenha lido e declarou a leitura não estar entre seus entretenimentos prediletos? O que fez de tão culturalmente meritório para merecer tal distinção?
       A impressão que esses arroubos acadêmicos passam é que a instituição parece corroborar a intenção de o governo federal detonar a cultura brasileira com atos que aviltam a memória da nação. Esculhambar de vez com a cultura pode até ser mais uma estratégia política para nivelar por baixo a consciência crítica nacional. A ministra  da Cultura, irmã de Chico Buarque só fez até agora provocar polêmica e endossar favoritismo de artistas consagrados, vide caso recente de Maria Betânia. A eliminação da escrita correta do erro de concordância dentro da escola, distribuído em 493 mil cartilhas para quase todos os educandários chega a arrepiar o bom senso lingüístico e gramatical. A concessão do título de doutor ao ex-presidente Lula pela Universidade de Coimbra escandaliza quando se sabe ter ele afirmado em entrevista à revista Piauí que não lê porque lhe dá sono, tendo o mesmo passado à História recente do país como o rei das gafes gramaticais. Ainda há pouco e Monteiro Lobato foi acusado de ser racista. O Brasil é recordista de analfabetos funcionais. E agora a ABL torna um jogador de futebol digno da maior honra da instituição.
       Só por muita ingenuidade não admitir que alguém, avesso à cultura, quer mesmo desmantelar a intelectualidade a pretexto de fazer coro à tese de que Lula veio do nada e tornou-se símbolo universal sem precisar de estudos, ao contrário, por exemplo, de FHC, sociólogo e intelectual.
       Não obstante ter a ABL eleito alguns autores estimáveis merecedores de ampla consideração e respeito, caso de Bandeira, João Cabral de Mello Neto, Guimarães Rosa, entre outros, aquela instituição cada vez que elege um “imortal” põe em xeque sua própria idoneidade institucional. Como é possível respeitar uma instituição de Letras que elegeu gente como Getúlio Vargas, Assis Chateaubriand, José Sarney, Marco Maciel e Paulo Coelho?
       “A ABL, disse Moacyr Scliar, paga o preço de assumir a impostura.” “A partir de 1930, a ABL tornou-se o que é hoje: um clube de intelectuais e similares sem maior repercussão ou influência”, asseverou o mestre Antonio Cândido. “A ABL serve para oferecer companhia na velhice, direito ao mausoléu”, ironizou com razão Sérgio Sant´anna. Em 529, o imperador bizantino Justiniano fechou a primeira academia, fundada em 487 a.C por Platão. Uma lei universal deveria então ter sido mantida: é proibido  criar academias.
       O mérito acadêmico deveria vir atrelado a condições como a de o homenageado ter e provar na prática ser portador de idoneidade intelectual, contribuir para a formação do hábito de leitura desde a infância, enriquecer a língua, propor ações efetivas para intercâmbio lusófono, participar de eventos públicos como incentivador da defesa dos valores literários, culturais, históricos, patrimoniais e artísticos, manter blog na internet para oportunizar debates interessantes sobre questões populares, publicar, sempre que possível, artigos úteis na imprensa de modo a contribuir para a sociedade refletir sobre a qualidade de vida humana e do ambiente.
       A inércia, o imobilismo, a estagnação, o desfile de fardões e de vaidades no chá das 5 da ABL – fazem daquela instituição um elefante branco da cultura, inutilidade pública patrocinada pelo poder público, ou seja, pelos contribuintes que nada usufruem em benefício advindo de seus “imortais.” A Casa é um panteão de dinossauros, repositório do nada.
       A ABL comprovou, com essa concessão esdrúxula, fazer parte da sociedade do espetáculo na qual deve prevalecer a ignorância e a espertise. A medalha a Ronaldinho Gaúcho é uma afronta e leva a pensar também que talvez seja para compensar não haver ali representantes negros da imortalidade recente. Nessa atitude acadêmica está o mais vil empobrecimento cultural, o conformismo, a desvirtualização da ABL, a vulgarização da meritocracia, a exploração de sentimentos previsíveis, a degradação de uma classe que paulatinamente veio sendo desestabilizada por si mesma.
       Ainda bem que Boris Pasternak escreveu: “a fama é reles”. A honraria da ABL ao jogador foi um réquiem para os homens escribas de um tempo mouco de olhos, cego de ouvidos, átropo de voz.

Márcio Almeida

Enviado por Francisco Miguel de Moura
http://cirandinhapiaui.blogspot.com/

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N. E.: Repercussão — duas notas:

1.
Ronaldinho Gaúcho é premiado com maior honraria da ABL
Gazeta Press
12 de abril de 2011 às 10:21h.

       Duas vezes eleito o melhor jogador de futebol do mundo, Ronaldinho Gaúcho conquistou mais um título na sua carreira de futebol. Mas este foi fora das quatro linhas, e de importância até maior em um nível pessoal: ele foi premiado pela Academia Brasileira de Letras com a medalha Machado de Assis, maior honraria concedida a um membro ingressante na ABL.
       O jogador do Flamengo foi agraciado durante uma homenagem pelos 110 anos de nascimento do escritor José Lins do Rego, flamenguista assumido e fanático pelo clube. Ronaldinho foi à ABL acompanhado de Vanderlei Luxemburgo e Patrícia Amorim, além de outros integrantes da alta cúpula rubro-negra.
Luxemburgo e Patrícia também foram premiados: o técnico recebeu a mesma honraria de Ronaldinho Gaúcho, e a presidente recebeu a medalha comemorativa de Joaquim Nabuco. O meia-atacante, por sua vez, comemorou o prêmio recebido.
       ‘Fui o primeiro e único jogador a receber essa homenagem. Acho que isso aconteceu por eu estar no Flamengo na hora e no momento certos', afirmou Ronaldinho, que foi apresentado sob o título de 'doutor', mas negou, envergonhado, tanto este status na ABL, como o de ?imortal' do futebol.
       ‘Já passei por muitas coisas boas, pretendo continuar no mesmo nível para as pessoas lembrarem de mim daqui a alguns anos', finalizou.
http://placar.abril.com.br/estaduais/carioca/flamengo/ronaldinho-gaucho/noticias/ronaldinho-gaucho-e-premiado-com-maior-honraria-da-abl.html

2.
Ronaldinho vira piada no Twitter após receber prêmio da ABL
UOL Mais
12/04/2011 20h02

       Ronaldinho Gaúcho foi à Academia Brasileira de Letras, na segunda-feira (11), para uma homenagem ao escritor flamenguista José Lins do Rego.
       Até aí, tudo bem. O problema apareceu quando o atacante recebeu a medalha Machado de Assis , a máxima honraria da ABL. Para completar, o jogador disse que não tinha um livro preferido e ainda pediria aos imortais dicas de leitura.
       Leia mais no UOL Esporte
http://mais.uol.com.br/view/t2pjn3videvl/ronaldinho-vira-piada-no-twitter-aps-receber-prmio-da-abl-04020E9A3868C8A10326?types=A

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