A FAMA
Raios de sol brilhavam num céu azul imaculado naquela manhã de domingo, mês de setembro. Jovens rumavam com estardalhaço às praias da região oceânica, enquanto grande número de idosos percorria os diversos parques da cidade. Crianças inventavam brincadeiras a todo instante. Um cenário de vida em abundância!
Num quarto confortável, bairro classe média alta, Leismar Barata fazia suas mil e trezentas abdominais, ao som de sua música preferida, verdadeiro estimulante para suas aspirações:
Faço tudo pela fama não tem jeito eu sou assim
Sei que a fama tem um preço vou pagar quero subir
Na cama com Madonna quero mais é ser feliz
Havia nela um insaciável desejo de notoriedade. Sua imagem estava constantemente em todos os jornais e revistas da cidade, apresentando-se nos variados desfiles de moda e chás beneficentes. Nada freava esse ímpeto de aparecer; havia um quê beirando o patológico.
Após ser publicada nas sete revistas mais conhecidas do estado por um ano, ininterruptamente, e ter participado de quase todos os desfiles da cidade onde residia (chegando inclusive a se apresentar em três numa só noite), acalentava o desejo de posar para uma renomada revista masculina. Ganhar dinheiro não era a questão. Queria aparecer para todo o país. Seria o trampolim para chegar às passarelas da Europa, pensava.
Afastara-se dos amigos, e a família já não fazia parte de sua vida.
Pouco a pouco, os amigos desistiram de procurá-la. Cansaram da sua superexposição. Deixaram, inclusive, de comprar jornais e revistas onde ela era publicada. Passaram a ler outras coisas, diversificando também, seus interesses.
Leismar, mergulhada em seu mundo, sentia-se plena. Seus desejos lhe bastavam. Exultou quando recebeu o convite para o ensaio fotográfico da revista masculina de seus sonhos. Esperava por esse dia há quase dois anos. Anunciou o fato aos quatro ventos. Houve um silêncio sepucral como resposta. Preparou-se, então, para as fotos, que seriam feitas com dois meses de antecedência à publicação. Na verdade, via-se como a mais bela das mulheres.
A revista começou a anunciar o ensaio fotográfico de Leismar Barata. Cartas de leitores chegaram aos montes, e a maioria contra a escolha. A figura de Leismar estava por demais desgastada, diziam enfaticamente.
A reviravolta ocorreu quando surgiu, no cenário, Tetéia Bom-Bocado, uma maravilhosa mulata que comparecia freqüentemente aos shows de funk num clube da periferia da cidade e dançava de forma a enlouquecer a galera. Uma pequena nota sobre ela foi publicada num canto de página no jornal de bairro. A notícia se espalhou. Cartas começaram a chegar à redação da revista, pedindo um ensaio com Tetéia. Eis que o ensaio de Leismar foi suspenso, sob alegação da necessidade de se apresentar novos valores.
Tetéia Bom-Bocado surgiu para o país, dois meses depois. Verdadeiro sucesso. Foi necessária uma segunda edição da revista. Logo foi convidada para apresentar um programa na televisão. Saiu também em várias capas de revistas nacionais. Acabou casando com um estrangeiro e foi morar no exterior.
Leismar Barata após o fracasso, vendo enterrados seus sonhos, entrou num longo e profundo estado depressivo. Foi levada pelos pais a tratamento médico. Teve apoio irrrestrito por parte dos amigos e de todos os familiares.
O tempo voa... Hoje, convertida a uma religião, abomina revistas que mostrem sensualidade, sente repulsa por decotes, ouve apenas músicas religiosas, não faz exercícios físicos e nem dietas. Todos os dias é vista em trajes discretos, cabelos presos, sem nenhum traço de maquiagem, dez quilos mais gorda, e a todos diz que, agora, é uma mulher feliz.
Belvedere Bruno