DEFINIÇÃO

                 Estou escrevendo para mim, prá guardar o instante, palavras, emoção, porque preciso parar e me olhar com cuidado, com delicadeza, e é importante que eu me fale, que me escute...  escrevo porque sem isso eu me perderia de mim, a palavra é o meu sal – a minha essência  mais profunda.
                Quando escrevo vivo uma empatia com todos os seres, passo a sentir no outro e viro pedra, viro bicho, viro flor, matinho vagabundo... viro o outro...sou gente que não é eu, é outro.
                Escrevo prá reter e alongar uma  emoção que vem fracionada, intensa, em milésimos de segundos – um raio grávido de eletricidade, de possibilidades.
               Talvez porque hoje eu introspectiva, tente me decifrar, entender qual a matéria que me preenche agora que não cheira a tristeza nem dor, nem alegria ,nem frustração... é uma coisa serena, sem cor, um espaço vazio onde nada houvesse a não ser o ar estático e, talvez por nada haver que preencha esse espaço você me vem.
E percebo então, que a partir de agora não me endereço mais, escrevo para você.
                Você que me acompanha na ordem das palavras, que alterna em mim ausência e presença, você e sua/ minha desobediência , pois que lhe expulso e retorna.
               Escrevo tanto... tão compulsivamente, num exercício tão estéril... a necessidade de escrever me aponta a dimensão daquilo que não digo, compreendo meu silêncio, minha mudez e deduzo que não tenho a amada palavra, porque me calo, porque não consigo me traduzir para, porque não inventaram a palavra que me fosse fiel tradutora...
               Minha palavra, tão incompleta, tão tetraplégica, sua palavra que nem é dita , tão poderosa.
               Palavra atômica, mágica, óvulo fecundado...  palavra minha.
               Deixa pistas de mim a minha palavra, pistas prá serem ou não apreendidas, para  ser amada por quem  desnuda  meus escritos.
               Esses olhos que não me olham, olho que não me vê... Você perdeu tanto, olhos cegos, tanto que nem alcança... perdeu e nem sabe, por isso não lamenta nem dói –  perdeu do sempre em um segundo,  da plenitude em poucos ecos .
Mas só meus olhos viram, gritararm, gemeram e cantaram., só os meus bailaram loucos nos espaços mais oníricos e belos, os outros olhares foram cegos para mim.
              Meus olhos enxergam, sentem e experimentam as palavras, para mim elas têm som, têm cor, gosto e cheiro. Têm um lado ausente e indecifrável, um lado oculto, que não sei da chave, nem da senha; um lado que é vivo, forte  e desconhecido de mim. Eu, a que ignora, eu a que devaneia, eu a  que uiva e geme sem razões...Cem razões para uivar e sonhar....
              Essa não palavra, essa coisa sem conceito, isso que não se pega, não se alcança, que não me pertence, esse espaço é seu  inteiro e sem reservas e, de alguma forma eu sinto que você sabe disso mas não quer adentrar nesse país.
               Não, não faço sentidos, não tenho sentidos, embora os busque desesperdamente,. Sou tão plural que desconheço meu tecido e meus fios, ser imprevisível ou prescrita é comum em mim...Desvalar pelos espaços das interrogações, das letras, sílabas, frases, palavras é prazeroso, é lúdico é angustiante, porque assim sou desconhecida, sou caçadora daquilo que não sei.
             Talvez, por isso, em mim habitem tantas e tão distintas, tem aquilo que me ultrapassa, que é obscuro, inconcluso, entrelinhas, reticências... que não é passível de se registrar, tem o sem signo. Escrevo para mim, para guardar o instante, a emoção, porque emudecida eu me perderia de mim e é preciso que  me olhe, me leia – a palavra é meu constitutivo mais profundo.
              Se fosse possível um conceito, mataríamos  e essa coisa não seria? O que tem por trás da vírgula, da pausa?
              Minha eternidade é essa? Interrogar-me ?
              Sempre, nunca, eternamente... palavras pesadas, de chumbo, concreto armado sobre meus ombros, asfixiadoras, mortais... porque são o ponto final.
              São  a desesperança, o inferno contínuo, a monotonia calcificante, a impossibilidade da expansão, são palavras que se opõem ao humano.
              É um exercício sem sentidos o de existir, porque nada retemos entre nossos dedos, porque nos igualamos a tudo aquilo que vive em nossa temporalidade, essa transitoriedade assustadora... e quando eu não for ? E quando você não for ? Que farei para sentir você? E você então, nunca saberá de mim...
               Resta então, o nada. Nos perderemos, nos esqueceremos, se esquecerão de cada um de nós, reinado das incertezas  esse  que nos abriga.
               Sou então o quê ?
               Sou uma interrogação, ( risos), uma interrogação  furta cor, que vai do vermelho ao lilás... É isso !!!! Sou uma interrogação que fala, pensa, sente.
               Sou uma interrogação e finjo, com maestria,  ser gente .

Graça Coêlho


 

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