Os
sombras não existem.
Reside aí a singular natureza destes monstros dotados de braços
e pernas e cabelos e que tendo se convertido numa suposição
encantada andam à nossa órbita modesta como se existissem.
Anteriores ao tempo que é apenas o simulacro despedaçado
da eternidade, os sombras, embora não existam, são bichos
puros e, não raro, obsedantes.
Mas se não existem nem nunca existiram, como conferir a eles um
status de coisa viva, dotada de braços, pernas, cabelos e
um secreto ritmo?
Para os eleatas, que tinham o feio hábito de prender os sombras
em câmaras escuras, se eles existissem, os homens e as coisas não
existiriam.
E explicavam o aparente paradoxo com uma exortação simples
— atentemos para eles, os sombras, que, se constituindo em nossas visagens,
andam conosco e nos perseguem, inexatos desenhando-os as formas no chão,
nos muros, pelas paredes.
Deixar que existam é permitir que sejamaos deles apenas um cambiante
reflexo.
Wilson Bueno
Do livro: "Jardim Zoológico", Iluminuras, 1999, SP