Linhas Severinas
 
                                    Homenagem a João Cabral

         É no amor demais que escrevo.
Do corpo expulso todas a vozes contidas,na agonia são riscadas as minhas linhas.A alma insiste em perseguir palavras fugidias,deixo-a de lado e sigo com as falas dos sentidos. Os Poetas fecundam escritas fartas, fazem versos longos e breves rimas, todos nascidos bentos, vingados em glória. De parcas letras pego o verbo pelas ruas, cato as sobras que deixaram nas esquinas.Digo apenas do que me rasga o peito, dos incomodamentos de dores fincadas no colo do útero dessa minha miúda vida.Escrevo pra ocupar os vazios, calar os gritos das gentes que se juntaram em mim,uivando à revelia das rotinas de lua-cheia, misturados nas minhas entranhas, inseridos em cada canto dos meus caminhos.Carrego nome pequeno que me deram por batismo, nele todos os nomes se emendam aproveitando o encurtamento,se grudam não como acessórios mas matrizes transformadas em células vivas. Meu mundo é dos inconformados e confundidos, não busco por destino as páginas de livros, o bordado das palavras que faço sai das tintas arrancadas de ventres que carrego e só careço de papel e lápis para o traçado de tortas linhas.Vou pegar cadeira e mesa,levar matula, sentar na Praça dos Paraíbas, matizando cartas, bilhetes, recados de crenças e saudades, mascarando dores com piedosas e singelas mentiras, dizendo que a vida vai boa demais, que o Rio de Janeiro é uma maravilha, que as lajes dos puxadinhos foram batidas no final de semana e todos os irmãos retirantes se achegaram,como só se unem nas procissões do Padim Cícero, que Raimundos encontraram biscates, que Marias conseguiram faxinas, que os meninos tão ficando alegrinhos e sabidos nos aprendizados de ofícios, que no Natal vão seguir verdes, pintados dessa esperança tinhosa e atrevida,em Santa Romaria, levando economias suadas, prendas e mimos comprados nos barateamentos das ruas atropeladas e atropelantes do Saara,tudo embrulhado na macabéa bondade nordestina dessa minha gente Severina.
Para minhas mal traçadas linhas, nenhum outro carecimento é devido que não seja tal dita.

Nana Merij


 

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