AMIGOS DOS OUTROS

Trá-los o vento, como às bactérias. Colhem-nos as riquezas, mas só semeiam misérias. Ocupam-nos espaços, os poucos que reservamos para grandes esperanças e maiores enganos. Expõem-nos as fraquezas, julgam-se pessoas sãs. E infectam-nos a alma com promessas vãs.
Escoa-se o tempo curto com ilusórias conexões, gasta-se uma vida inteira com paranóias e desilusões. E o tempo insiste em passar, e o sonho a definhar. Aos bocadinhos. É a tristeza que mata no berço a pequena fogueira, chama imaginária de emoções. Queima-nos por dentro quando pára de arder. Só fumaça. O incêndio é anedota, a emoção é uma chalaça.
Trá-los o vento matreiro e espanca-nos a vontade. É mesmo muito dura, esta estranha realidade...
Brincadeiras de putos à mesa de um café. Conchas herméticas, fechaduras de trancas, defender a paliçada. Ninguém deserta, falta a coragem, ninguém acerta, o inimigo não se vê. Continuemos a conversar, a luta continua. Palavras para quê? Leva-as o bandido que insiste em soprar, para outros ouvidos, rostos frios que se limitam a escutar. As vidas dos outros.
Vou comprar, já comprei. Ia voar, já aterrei. Puxaram o cordelinho e o balão desceu, ofereceram-nos as asas para nos negarem o céu. Gás feito chumbo, pesa-nos a consciência. E nem sabemos porquê. São certezas que sempre nos traem, mas parece que ninguém vê. Não duvidamos de aparências, cultivamos. Amamos farsas, pouco nos ralamos. O engano somos nós e as vidas que levamos.
Vêm com o vento e com o vento vão, o diabo que os carregue. A própria solidão é a amiga de verdade.
Isolemos os casulos, fechem-se as portinholas, todos muito seguros, livres de conversas. Em trincheiras ou castelos, cada um trata de si, disputemos as batalhas. Batalhas que nunca venci.
Vamos ver televisão, vamos parar de pensar. O vento, lá fora, não pára de soprar...

Jorge Gomes da Silva


 

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