Trabalhamos juntos, ministrando
a mesma disciplina no Instituto de Biologia da UFRJ. Juntos planejávamos
aulas práticas e teóricas, alteramos o programa visando permitir
ao calouro uma visão mais global da Zoologia antes da compartimentação
em disciplinas, fazíamos trabalhos de campo, assistíamos
a shows e, tal a nossa afinidade, também acampávamos em férias
e feriados, com estagiários e amigos.
Inicialmente, daí
os trabalhos conjuntos, ele estudava esponjas marinhas, de onde saiu sua
tese de Mestrado, especialidade em que formou vários pesquisadores.
Mas a paixão maior, definitiva veio em seguida: AVES.Embora tenha
querido estudar também filosofia, as aves o arrebataram.
Meigo, calmo, encantador,
apaixonado sempre, Elias começou a se equipar para o que pretendia
fazer — estudar o comportamento e o canto das aves. Como as verbas para
pesquisa já eram curtíssimas, ele começou a vender
o que tinha, inclusive o piano que amava, para equipar seu laboratório.
Vivia com incrível simplicidade e nunca tinha hora para voltar para
casa.
A paixão pelas aves
levou-o a cometer atos que ficaram antológicos. Certa feita, de
uma pequena embarcação na baía de Guanabara, Elias
avistou um ninho sob a ponte Rio-Niterói. Máquina a tiracolo,
eis que ele escalou uma daquelas pilastras, observou e fotografou. Um filhote
caiu ao mar, ele desceu, resgatou o filhote e escalou de novo, colocando-o
em segurança... Nisso um navio se aproxima prestes a passar sob
o vão central. Apitos, gestos desesperados da tripulação.
Para o barco não ser sugado, tiveram de parar as máquinas
do navio.
Vi-o pela última
vez descendo a escadaria do CCS. Eu já me transferida do IB e só
o encontrava eventualmente. Ele estava terminando o Doutorado na UNICAMP
e me falou muito feliz dos resultados já obtidos em sua tese e da
excursão que faltava para complementar seus dados.
A excursão... Elias
e seus estagiários sobem o penhasco na Ilha de Cabo Frio. Ele sinaliza
para os companheiros pararem e segue pé ante pé para observar,
coletar dados, fotografar um ninho de atobás. Apesar disso, a fêmea
se assusta e voa. E sem nenhum grito, Elias desaparece. Seu corpo
foi achado três dias depois, lá embaixo, no mar azul.
As asas do meu irmãozinho eram as de uma alma alada, iluminada.
Levaram-no diretamente para alguma estrela, de onde deve sair para voar
e observar as aves que ainda restam a encantar o planeta terra. Cada vez
que vejo um atobá pareço ver seu riso e sinto sua voz me
encorajando e falando dos seus sonhos. Irmãozinho alado, saudades!
Lembrar o amigo-pássaro
me faz pensar no sonho. A grandeza ou transcendência de um sonho
resulta da cultura, sim, das oportunidades mas, principalmente, da
sensibilidade que cada ser humano tem. Só o ser humano sonha,
só o ser humano se apaixona e vai atrás do seu sonho. Sensibilizar
o homem através das artes, das histórias, e sobretudo do
permitir o compartilhar do amor universal, me parece a tarefa mais imediata
que temos e podemos realizar. Sonhando juntos uma humanidade onde absolutamente
ninguém possa ser olhado como uma mercadoria, um descartável.
Com os pés no chão mas os olhos e asas visando às
estrelas.
Maju Costa