Então
me tornei um pouco como Sherazade, dei de inventar histórias para
chamar tua atenção, para conservá-la ao meu lado,
histórias fascinantes o suficiente para encantar tua mente por si
tão prodigiosa e veloz, e que ao mesmo tempo tivessem um gosto de
realidade, o gosto da terra recém-molhada pela chuva, o sabor da
pele tocada pelo sol e o mar.
Este foi então o homem que me tornei, sem saber que por trás
dessa incumbência — que eu mesmo me impusera, que não viera
de ti —, na verdade buscava a mim mesmo, buscava meu segredo, sondar o
mistério que eu nunca tivera a coragem nem a persistência
para descobrir. E muitas vezes cada uma dessas histórias se transformava
— eu as transformava —, infinitamente, feito Penélope à espera
do amado, para não deixar que outros olhos e ouvidos tomassem posse
da oferta que era de mim para ti. E por dizer que nunca estavam suficientemente
belas, não deixava que existissem para os outros, os infiéis,
os que nunca poderiam — por não serem eu nem ti — divisar o nosso
horizonte particular, nosso enredo de palavras que disfarçavam sentimentos,
e ao mesmo tempo nossas frases não ditas, silêncios nossos
que no seu paradoxo realçavam nosso sentir. Um sentir que não
confessávamos, com medo de que se esvaísse, pela certeza
que as palavras (as mesmas que tanto amávamos) não alcançariam
jamais a exatidão de expressar aquilo que nem mesmo nós,
com nosso coração sedento, com nossa ânsia de querer,
teríamos condição de abarcar.
Então me fiz assim, como Sherazade, para que pela minha fala não
morresses nunca para mim, para que tua ilusão fosse sempre uma realidade
cada vez mais autêntica em minha vida, para que não se rompesse
o fio de Ariadne que havia sempre de me ligar a teu coração.
Por ironia das palavras havias de ter o nome que tens... e ser a única
a compreender o labirinto dos imensos sonhos em que vivo, um mundo que
construí aos pouquinhos, com uma miríade de espelhinhos do
oriente, cada um deles um reflexo do meu universo particular, meu ponto
de mutação entre a realidade dos homens e a magia dos anjos.
Permita então, amiga, que a minha voz não se cale, já
que o meu gesto de falar para ti é a garantia da minha sobrevivência,
permita então que eu me iluda ao pensar que seduzo a tua atenção,
quando no íntimo o que busco é o fogo que acalenta minha
alma e o vento suave que mantém no ar a pluma instável
e ainda assim tão vital da minha doce e frágil ilusão.
Frank de Oliveira