Você vinha
Você  vinha  e  toda vez era a  mesma  coisa eu  tremia feito  vara verde daquelas de marmelo que mãe  costumava pelar pra dar  castigo na  perna da gente  e  você vinha sempre assim com um jeito enrabichado de olhar me deixando com vontade de andar de  roda-gigante  só pra  sentir  gastura de tanto olhar as estrelas  e assim  você vinha cheio  de  música  decorada  da  rádio  só  pra  impressionar   meu  ouvido  de  moça acostumada com canto de igreja  e era assim que sempre sempre você vinha trazendo sonho da padaria da esquina s ó pra me ver  lamber os dedos e o creme  que deixava escorrer de propósito  pelo queixo e  você vinha e vinha  sempre  fazendo  barulho no portão só  pra me ver  abrir a porta e  pulando no seu colo  feito cabrita lhe  dar beijo macio  com gosto de  doce de cidra e  quando era noite de chuva  então  daquelas de trovoada  você  vinha e  me arrastava  pra um  canto escuro da varanda  e sem  pedir licença se  enfiava entre as  dobras da minha saia  e era  assim que  você vinha e  veio tantas  e tantas  vezes que já  nem sei das  contas de  quantas luas me perdi nesse seu
jeito de vir.
Mariza Lourenço

 

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