Alma Fenecida

Arrastados os passos, deste que morosamente andava; olhar triste, boca em silêncio, braços largados e expressão de fadiga. As pernas dobram-se ao chão e num último esforço, os joelhos arrastam-se. Sem ar nos pulmões e um coração rasgado a sangrar, o corpo sucumbe e, vagarosamente, aleita-se na areia a metros do mar; o último suspiro foi no olhar da primeira e última onda.

Feneceu um menino, ninguém sabia de onde vinha  nem porque morrera. Imaginava-se apenas seu sofrimento, corpo castigado, roupas velhas rasgadas e, mesmo estando no descanso eterno, ainda havia um olhar de fadiga.

Poucos momentos após e em fortes passos, chega um homem, de olhar e rosto sem expressão, ombros largos, mãos calejadas e vestindo solidão. Pela direção objetiva, sabia exatamente o que acontecera.

Chegou até ao menino, fechou seus olhos que entreabertos estavam, virou-se, caminhou até os coqueiros que ali havia, extraiu alguns da raiz com as próprias mãos e quebrou-os em partes iguais. Pegou cocos, partiu-os nas pedras, tirou suas fibras e, delas, construiu cordas. Ajuntou os troncos, amarrou-os com as cordas, construiu uma jangada. Levou-a até a beira do mar, voltou-se para o menino, carregou-o no colo até a jangada, deitou-o em cima dela, pegou folhas velhas dos coqueiros e com elas o cobriu, empurrou a jangada pelo mar calmo e sem ondas e, antes da maré levá-la, ateia fogo nas folhas, as labaredas içam-se ao vento, junto com a jangada que parte.

Em pouco tempo, o fogo ardeu seu inferno e levou o menino ao paraíso. O mar enterrou as cinzas em sua lápide. Ao desaparecerem os últimos vestígios, o homem sem expressão adianta-se até a imensa rocha que findava a praia, pára, pega da areia uma pedra pontiaguda e outra larga e forte, com elas, começa a esculpir na imensa rocha. São desta hora as suas primeiras expressões de sentimento, ao tatuar indelevelmente na rocha da praia o epitáfio do seu menino:

“Nesta praia, feneceu a alma de um menino
que, vivo, sorria e solidarizava-se com os seus.
Adoeceu no veneno da decepção e solidão.
Partiu da árida terra, para imensidão do ar
e legou estas últimas palavras: Renascerei..."
 
Marcelo Bello de Oliveira


 

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