MEDO POR QUÊ?
Porque ter medo da vida a faz mais vagarosa. Vigorosa. A noite fica
comprida e o dia passa depressa. Atiça-se a monotonia. Corajosa
é a morte quando espalha poeira cinza. Pedra de tropeço,
escondida debaixo das grutas. Fomenta a discórdia. Reluz, mas não
é preciosa. Hora em que fica na espreita. Hora do calabouço.
Do sabor salgado. Do vento estreito. Hora de gemer, rangendo os dentes.
Medo do próximo instante. Do desmaio após a cachaça.
Medo de cair na rua e morrer feito indigente, afogada em poça d’água.
Deprimida, inconsciente. De jogar comida fora. De parir criança
triste. Medo do castigo. De gerar inimigo. Da cruz que vira à meia-noite.
Do altar que promete a cura, ora sagrado, ora violento, degenerado. Do
dízimo maior que o salário. Medo da filosofia, do fundamentalismo.
Da agonia afoita de quem goza apressado. Do terremoto, do vulcão,
do raio, do alagado. Medo de falar e não ser retrucada. Do silêncio.
Da sapiência. Das coisas que não servem pra nada. Medo de
sentir fome e não ter uns trocados. De engolir chicletes que gruda
nas tripas. De comer pastel na rua e ter dor de barriga. Medo da
intriga. Do afronto ou da injúria. Medo da valentia. Medo de cachorro
babando raiva no portão. Medo de ladrão armado. De ter o
sexo violado. De choro seco, sem lágrimas. Medo da hora da raiva.
De cuspir maldade. Medo de não garimpar bem as amizades.
De desabrochar dor na primavera. De decantar minhas mágoas. Medo
de não saber escrever cartas. De ser mal-interpretada. Medo
de ser outono e ficar amarelada. Medo até de ter, porque ter, requer
direito. Ter é responsabilidade. É habilidade. Ter
é soberano, porque quem tem, tem que saber ter bem e não
desperdiçar. Ter não é oco. Ter faz eco. Medo
é necessário como andar no escuro, em riba da nascente, na
lua nova. O medo é frondoso e fareja o rumo. É esperto. Eu
tenho medo do meu medo, porque dele não cuido bem. Falo, escrevo,
oro no absoluto, mas não entendo dele. Nada. Coisa nenhuma. Sei
que nasci na lua cheia, numa sexta-feira chuvosa. Mãe disse que
era meia-noite, mas desconfio que ela só queria me dar temor. Assim,
quem sabe, eu o deixava de lado, só de má-criação.
É que pra mãe, medo desatava nós, temente que era
da santa. Punha medo em tudo. O maior medo não era da morte.
Era do giro da vida.
Cláudia Villela de Andrade
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