Tim-tim, um copo de terra!

               Planto sementes nas margens dos rios. Aro as pradarias, rego lágrimas no solo fértil. Se os pântanos não secam é porque a monotonia dos braços não dominou a vontade. Languidez e doçura se misturam pelos corpos das mulheres, colonas da terra vermelha. Brando é o canto das aves num contraste de cores e bicos, disputando com os machados dos antigos homens do mato. Vegetações dilaceradas...  vento que canta na vidraça da minha janela. Pica-pau no caule.
               São nesses campos relvosos que os raios costumam cair sobre a terra. Vaza energia no cosmo incandescente. Falta compreensão e utilidade, segundo a ciência. Os espíritas possuem uma definição para as descargas elétricas. Choque de outros ares, limpezas das energias negativas desprendidas dos homens... coisa de fé. Só para quem acredita. Tinha uma colona aqui, que quando dava trovoada, ela fincava uma tesoura na terra, na porta da casa. Dizia que assim o raio não cairia ali. Outra, cobria todos os espelhos da casa, com panos. Lembro do meu avô que contava que Palmeiras Imperiais eram plantadas em volta da casa-grande da fazenda para aparar os raios.
               Falta água, sobra vento, a seca sempre é farta. Outra hora, sobra água, falta vento, tromba d’água, inundações.
              As mulheres se regulam com a lua e se desregulam com os homens. O sangue corre pelas pernas e fecunda a terra à procura da vida. O suor também mancha o solo. Suor e sangue numa mesma dose. Num copo de terra. Alimentação. A terra envenena também. Vicia. Somos terra. Vamos ser pó para espalhar nossas próprias tempestades e evaporar nossa agonia a caminho de alguma nebulosa. Nada de absinto. Tóxico, só o contato com os seres da cidade.
             Troco um saco de semente de girassol por um de feijão e assim a gente vai vivendo, na base das trocas. Dinheiro mesmo, aqui não tem. Já foi época em que se tirava dinheiro da roça. Agora é plantar pra comer, ter meia dúzia de cavalos pra divertir, umas vaquinhas no curral, galinhas poedeiras com ovos fresquinhos. Franguinho de engorda, leitão para o Natal, jardim e pomar pra ver a vida brotar. Tacho de cobre e fogareiro no fundo da cozinha pra fazer a goiabada anual. Banho de ribeirão, rede na varanda e um bom peão pra fazer o que a gente manda. O resto é mariposa, está sempre mudando. Antena parabólica, computador, fax, celular... .já tem tudo isso aqui, o ruim é ter que saber inglês, off, on, speed, star, play, stop, yes, office, window, porque não tem um aparelho que venha escrito em “caboclês”.
              O campo se difere da cidade, não só pela bucólica paisagem, pela calmaria, pela vida que anda devagar. No campo é possível trocar tudo. Comida, aperto de mão calejada, bois, amizades que só morrem quando o corpo parte. Não sei dizer o porquê, mas as pessoas são mais sinceras, mais amenas, mais amigas. Menos viciadas nos truques da vida. Menos apressadas. Pergunto-me o porquê da pressa da cidade? Será dinheiro? Será ansiedade? Será a falta de espaço e o parco contato com a natureza? Serão os apartamentos, pombais, superlotados de desconhecidos? Não sei responder. Sei apenas viver isso que sei aqui. Tem pressa também, mas ela é longa. Sim, longa de dia, longa de noite. Se souber definir bem o que é uma pressa-longa, diria que é a vontade de esticar a vida e ser feliz. Absinto aqui... é  sonho de  cavalo velho, quando lhe caem todos os dentes.

Claudia Villela de Andrade

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