O vôo dos beija-flores
 
Eles sempre sonharam ter uma casa no campo. Com varandas do tamanho da liberdade do voar do colibri. Onde as janelas emoldurariam paisagens somente capturadas pelas retinas da natureza.
 
O acordar seria um ato de amor com a vida. O dormir a preciosidade de se embalar nos braços do som da mata, no beijo da noite com a harmonia do amar e do sorrir.
 
Eles sempre sonharam. Trabalharam a vida inteira e agora, com os filhos crescidos e casados, realizaram antigo sonho: mudaram-se para um sítio no sopé da serra, ladeado pelo ar puro das manhãs.
 
A casa era cercada por um pomar de encantar todas as aves. Gorjeavam ao saborear frutas de estação, que caídas ao chão, viravam banquetes salpicadas de raios de luz a iluminar sementes da vida em ebulição.
 
Ao fundo, um lago brindava a natureza com peixes desafiando leve correnteza, como se fossem filhos da deusa das águas, a brincar no lombo da felicidade solta nas pradarias da inocência.
 
O brilho da lua, entoando notas de uma linda melodia, ousava  beijar o espelho d’água e refletia o desejo dos amantes, que se entregavam aos toques do fogo do amor para repetir o que o sol fazia com as manhãs ao nascer um novo dia.
 
Sentados em cadeira de balanço, no entardecer dos vimes entrelaçados pelas mãos mágicas do homem do campo, observaram pela primeira vez aqueles colibris que pousaram por instantes nos galhos de uma florida laranjeira, como se o
tempo apenas parasse para o merecido repouso daquelas maravilhosas aves.
 
Paralisados pela mágica daquele sublime encanto, observaram que os colibris esgrimiam com leves estocadas o coração das flores da laranjeira, como se o néctar fosse o maná dos deuses na polinização da vida.
 
Em vôos acrobáticos, desafiavam a lei da gravidade e planavam acima dos breves instantes, para mergulharem em velocidade estonteante em direção ao infinito, refletindo contra a luz, todas as cores do mais belo diamante.
 
O homem, num repente de idéia natural, sentou-se no lombo de um velho alazão e dirigiu-se até uma típica mercearia rural, onde regadores pendurados ao teto por empoeirados arames, retratavam a beleza da paz da vida caipira do interior.
 
Comprou alguns potinhos de plásticos com flores brancas adornando os bicos que serviriam de bebedouros para as aves que tanto o encantaram. Não sem antes se deliciar com duas paçocas de amendoim que o fizeram se lembrar da sua longínqua infância. Inocentemente, lambeu os beiços.
 
No interior de sua casa pau-a-pique, encheu os potinhos com água cristalina, numa leve mistura de açúcar e mel, e com sua senhora, irradiando felicidade, penduraram nos galhos de uma frondosa figueira, para brindar de amizade o encontro do homem com a natureza.
 
Num breve espaço de beijar, os colibris se encantaram com aquela mistura adocicada e beberam várias vezes do presente de seus novos vizinhos, em piruetas de agradecimento pela oferenda daquele momento.

No dia seguinte, o casal novamente encheu os potinhos com aquela mistura saborosa, demonstrando toda felicidade humana na apreciação do belo ao capturar a intimidade do beija-flor em seu mágico voar.
 
E a semana voou nos braços daquela preciosa amizade.
 
Ao amanhecer do oitavo dia, a tragédia abateu-se sobre o semblante do radiante casal, aos pés da figueira, dois corpos pequeninos jaziam inertes sobre o frio chão de terra.
 
Os colibris mortos, já estavam sendo alimentos de formigas num frenesi de vai-e-vem, no mágico mundo da cadeia alimentar.
 
A cultura urbana do idoso casal, tinha produzido no coração da flor de plástico, um meio de cultura para o desenvolvimento em bela cor esverdeada, de um fungo mortal que tinha matado com dores lancinantes seus amigos dourados.
 
Os beija-flores tinham sido, inocentemente pelos humanos, assassinados.
 
E ao fim daquele dia, o vôo da realeza não mais foi verso de poesia, mas sim manto da noite a cobrir de tristeza a paz nos olhos de um homem e uma mulher, que compreenderam que a vida no campo traz o milagre da beleza e apreciá-lo, sem interferir, é o que nos torna puros, aos olhos da natureza.
 

Douglas Mondo

 

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