“A noite é triste”. Li isso em muitos livros. Nas linhas ou entrelinhas, sempre um vazio entre um sol e outro. Falta de reflexo nos olhares. Desejos partindo. Dor estendida na folha da árvore que a moça apanha por não ter nada mais a fazer. Um tédio desolado entre os verdes da esperança. Que falta fazem os lenços usados para o adeus! A vida é tão rápida que não sobra tempo para eles. Mastros de navios, quilhas de veleiros, soltar âncoras, vapores...
Ontem o mar passou por aqui, mas ninguém conservou intacta a memória. Cobrimos, tão logo, os sonhos com um chapéu.. Ficaram apenas flashs. Um apito aqui, uma luz piscando acolá, um latido rasgando o tempo. As histórias adormecem numa necrópole. É preciso falar rapidamente para não se esquecer o que veio dizer. Compete-me assim, sem pensar muito, dizer que morri várias vezes. Várias vezes bati à porta de Deus. Várias vezes, ressuscitei. O mundo? Permaneceu deitado diante de mim como uma terra de sonhos. Passagens e paisagens, tempo e vento. Encontros. Fui tão longe, e voltei com um vazio no peito. As elipses deram ao verbo uma chance de escolha. Escolha é uma palavra enganosa. Ninguém escolhe morrer embaixo de uma árvore. Líber! muitos sonhos morreram descritos nas entrecascas das árvores.
Tão tristonhas as noites que já não voltam! Tão estranhos os beijos relembrados depois dessas mortes! Beijos profundos. Penetrantes como o gorjeio de um pássaro a desobstruir ouvidos surdos. A vidraça, hoje, é um quadro que reflete alguma vingança divina. Traços agudos cortando horizontes. Fio de uma navalha invisível abrindo os abismos da alma. Pontos de silêncio respingados pelo chão.
Um anjo alado corta o vento e a luz e depois sorri. Toca minha alma com dedos invisíveis. No infinito, estrelas trocam palavras e a lua cheia, silenciosamente, dá o ar de sua graça. Danço nas nuvens de minhas emoções. Acordes de flautas, assovios de brisas e sinais de um mundo vivo, tão vivo que chega a assustar. Minha consciência de vida exterior nunca alcançará tamanha lucidez. Meu viver se reduz a esperas. Espera de que os minutos materializem-se à moda imperfeita dos homens e eu não esteja tão cruamente viva, e tão duramente exposta a essa claridade dos corpos celestes. Minha vontade, como ser perecível, é vencer a luta primária que me conservará sempre primária. Vida insana, quase inanimada.
Hoje o pensamento é uma chuva fina caindo devagar. Meu corpo é um cais velado pela solidão. Vale a pena morrer toda noite por alguns segundos de um olhar. Bater a porta de Deus para ser tocada com palavras. Registrar-me no núcleo de uma oração em que o desejo etéreo e líquido escorrerá pelos braços. Um planeta distante espera. Um corpo isolado busca ternura. Idéias perdidas em lacunas de vida. Iludida, existo com minhas fantasias entaladas na garganta da noite.
Lucilene Machado