Folhetim Chorare

Vou falar à sua imaginação. Desculpe-me, mas vou conversar com sua solidão. Não me interessa sua inteligência nem sua indignação. Interessa-me sua ingratidão. Consigo, não comigo.

Não o conheço. Ou o conheço, não importa. Apenas somos nomes passageiros esquecidos no tempo da estação. Amanhã de manhã será julho e depois dezembro no calendário pendurado na parede do coração. Ele parará um dia, não se esqueça não!

Lembra-se quando pensou em se matar, naquele verão. Pode ter sido no inverno ou na primavera quando as flores brincavam com sua criação. Sentiu-se um barco ancorado em cais vazio de esperança e pensou em não mais se alimentar.

Apenas deixaria de comer e lentamente a agonia em seus braços o levaria. Coitada, pensa que falo ao homem, mas posso estar falando consigo, mulher viva por alimentação. Comer muito ou pouco, essa é a questão!

Sei o que se passa em seu pensamento, nesse instante. Onde ele me levará, com essa conversa irritante? Será brincadeira? Meu amigo, nunca faria isso comigo.

Cuidado, nunca aceite palavras de um poeta, ele é insano por definição. É o sinônimo de perversão. Poeta é o bem e o mal infiltrado no abecedário da ilusão. Do sentimento é um ladrão!

Vamos voltar. Palavras aliviaram seu sofrimento e quase mataram sua liberdade em certa ocasião. Sentiu-se patético largado ao chão e a dúvida arranhou sua convicção. Olhou-se no espelho nessa ocasião? Não se reconheceria.

 Pensou em matar seu ente querido. Ora, não mais querido que a morte viesse sem aviso e seria bendita solução. Assim, naturalmente, como folha morta caindo em fim de estação.

Choraria muito, para o sofrer ser ótima impressão. Naquela tarde o banho caridoso massagearia sua alma e feito água benta, abençoaria sua pobre condição.

Que pena! Seu ente querido acordou da sua roda de maldição. Não era querido? Era mercenário e aprisionava sua alma eito passarinho em gaiola sem janela a receber afago ou carinho. Merecia, sim merecia!

Naquela manhã quase não foi trabalhar. Odiou seu emprego e as pessoas que o cercavam, com seus olhos inquisidores e malvistos. Somou as contas que tinha para pagar e viu que seu salário não seria suficiente. Odiou sua vida.

Sentiu-se miserável e desesperançado. Sentiu-se morto por dentro. Foi ao banheiro e chorou. Mais um dia sem vida. Quase não voltou para casa. Queria não ter casa. Queria não ter nascido.

A televisão por companheira não foi amante da felicidade. Mostrou dor e sofrimento de um povo sem caridade ou perdão. Desligou a televisão. Afastou-se do mundo e fechou os olhos fitando seu interior e nova reflexão.

Pensou, pensou, tomou uma decisão e vociferou: — “Amanhã de manhã mato esse poeta, filho de um cão!”

E dormiu feliz, encontrara a solução.

Douglas Mondo


 

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