ROSAS VERMELHAS

Aquele homem cabia inteiro dentro dos olhos dela. Cabia dentro de suas mãos macias ansiosas por acarinhar. Seria capaz de envolvê-lo todo com mãos e olhares. Não, os olhos não vêem nada quando as mãos agarram feito eras pelos muros.

Aquele homem cabia dentro de seus desejos. Desnudo sob lençóis de seda, ela o queimaria com a grande labareda de sua vida. Como seria o toque de suas mãos? seu cheiro... sua voz ao ouvido?

Por ele seria capaz de cama, mesa e banho. Mais que isso, comida e roupa lavada. Seria capaz de passar e engomar aquelas camisas brancas uma por uma, enquanto ele lhe beijasse a nuca achando sensual seu jeito despojado de dona de casa e lhe perguntasse em sussurros "está vestida assim pra mim?" Claro que sim. Vestida e desvestida, sempre para ele. Aí, ele se aproveitaria da fragilidade dela e realizaria suas fantasias de macho atrás das portas e janelas. Será que aquele homem de metro e oitenta fantasiava mulheres frágeis e carentes? Por supuesto que no. Parecia mais com uma rocha inabalável. Um homem de alma gelada e impenetrável. Individualista, cheio de si... um verdadeiro narciso.

Bem, não podia reclamar tanto, até que ele demonstrou interesses. E ainda perguntou se ela estava compreendendo seu ponto de vista. "Sim! Não!" Ela atrapalhou-se toda ao dizer o que pensava sobre relações. Mulheres especiais se atrapalham. Entretanto os homens demoram muito para fazer essa descoberta. Homens, tão diretos e objetivos! Considerou-a tensa. Tensa? Que idéia! Só queria as coisas formalizadas. Era romântica, uai... "Romântico eu também sou, querida". Sentiu-se ingênua. Não, sentiu-se infantil mesmo. Nem sabia mais o que era referencial de romantismo. Como poderia pensar em compromissos e formalidades depois da virada do século? Agora as coisas aconteciam espontaneamente ao seu tempo. "Compreende?" perguntou ele sem muito interesse na resposta. Mas ela sentia a ansiedade pulsando na pele e precisava responder para manter o equilíbrio da conversa e deixar clara sua reputação. E falou. Seus argumentos jamais haveriam de convencê-lo, todavia foi autêntica. Não iria para cama com ele sem se estabelecer vínculos de intenções futuras. Ir para cama? Não, ele falou em noite de amor. Assim sem muitos rodeios, do mesmo modo que a convidou para o jantar.

Enquanto ela falava, ele distraiu-se várias vezes a olhar os transeuntes. Que tédio! Perdera a noite investindo numa mulher com conceitos antiquados e ultrapassados. Reputação! Como é que ele iria adivinhar? Julgava não mais existir essa espécie de mulher.... E pensar que ele a escolhera a dedo. A mais bela mulher da noite, e como dançava! Esperou uma semana para o encontro, estava cheio de expectativas.... Pensou em todas as possibilidades! Seria capaz de a enlouquecer entre quatro paredes. Beijaria de leve seu pescoço esguio, a orelha, a boca... faria massagens, carícias e surpresas das quais ela jamais se esqueceria. Ela iria queimar de febre e devolveria a ele os olhos esverdeados acesos, emoldurados pelo castanho avermelhado do cabelo. Seria capaz de carregá-la no colo para cama, ou simplesmente apreciaria seu andar de bailarina, que não é mais bailarina mas continua com a graça de quem nunca perdeu o gingado. Gingado? Não, deveria ser vocação. Vocação para a leveza como uma borboleta que movimenta as asas pousando de flor em flor. Seria capaz de enviar a ela uma dúzia de rosas vermelhas no dia posterior. Talvez fosse melhor rosas brancas... não, vermelhas mesmo. Mulheres adoram rosas vermelhas. E por que não? Só não daria o número do telefone, isso não. Ela poderia ligar e insistir num domingo no parque, ou quem sabe num jantar íntimo preparado por ela. A segunda opção poderia ser irresistível. Ela num tubinho preto tomara-que-caia... jantar à luz de vela... Mas, e se ela inventasse de apresentar os filhos, mostrar o cachorro, o gato... fotos antigas, ela dançando no Municipal... Não! Não queria perder tempo com isso. Depois ainda poderia pensar que ele era seu namorado. Coisa mais antiga, uma mulher ligando para seu trabalho, perguntando onde ele havia jantado, passado a noite... isso não! Sabia quanto custava a liberdade. Não teria mais paciência para marido, namorado ou qualquer papel semelhante. Num gesto sutil chamou o garçom e pediu a conta.

Ela baixou os olhos tristemente. Sobre a mesa, esculturas que havia feito com miolos de pão. Esmagou com o dedo uma formiga ruiva e solitária que surgiu rastejante sobre a mesa como a implorar uma migalha. Oh Deus! Migalhas, era isso. Na toalha branca o rastro nojento. Era o corpo. Pão partido, vinho derramado. Jamais teriam essa comunhão. Veio a indignação. Retirou-se sem esperar qualquer gentileza. Apenas algumas palavras jogadas ao vento, como "obrigada pelo convite" e "obrigado pela companhia". Poderia ter resistido um pouco mais, mas era muito delicada. Os delicados têm pouca resistência. De resto, sei apenas que ela passou o dia seguinte arrumando a casa. Cortando, delicadamente, com uma tesourinha de unhas, os caules de um bouquet de rosas vermelhas. Fazia isso com extremado prazer. Depois, colocava-as uma pós outra dentro de um jarro de água. Todas com o mesmo corte oblíquo e o mesmo tamanho. Obrigou-se a compreender também que as rosas não falam, jamais. Nem mesmo as vermelhas.

Lucilene Machado

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