DIÁLOGOS

Entre a luz e a sombra

             As águas cristalinas do mar morrem em gritos revoltos contra as rochas, o vento corre indomável e caótico, envolto pela sonoridade solitária e meditativa da praia...  o céu está nublado e uma cortina onírica cai do céu envolvendo todo o cenário onde a luz do sol, ofuscado, trava um diálogo atemporal com a sombra que emerge disforme se espalhando por toda a areia úmida.

—      Teresa... agora eu posso entender que o amor é a linguagem universal dos homens, como posso após tantos anos, ver a ternura esculpida em seu olhar, sempre meigo e compreensível. (o vento sopra contra o rosto de Ângelo... seu cabelo negro se desfaz como o ar caótico).
—      Eu estive acompanhando você esse tempo todo... eu fui sua luz, acompanhei seus momentos bons e também os ruins... seus sucessos e insucessos; eu estive sempre com você... .(seu olhar tem ternura e compreensão)
—      A vida foi mesmo imprevisível...  e correu rápido, os anos voaram como páginas jogadas ao vento... será que eu fiz o que pretendia? Quando cruzamos o nosso olhar eu era tão jovem e romântico...  você incrivelmente confiante e poética; talvez tenha falhado mais do que acumulado acertos...  nem sei ao certo se fiz bem ou mal. Mas aqueles foram os melhores momentos da minha vida...  aqueles que os tive ao seu lado, mesmo com a distância, mesmo com a sua ausência física... mas me sentia preenchido com a presença do seu pensamento e da sua arte. Teresa... é verdade, a única realização da civilização é a arte...  é a única riqueza, é a única forma que nos leva a transpormos nossa condição de vida inevitavelmente contraditória e incompreensível. Você desnudou a única verdade que constatei. Do mais...  procurei a promessa da compreensão inutilmente... só encontrei ilusões e desilusões...  em cadeias sucessivas que foram me subtraindo as esperanças.
—      A vida é mesmo imprevisível, meu amor. Você não foi mais ou menos infeliz do que qualquer pessoa... o problema de comunicação permeia a existência humana em todos os sentidos... ou você esqueceu o que aquele filósofo, que você admirava, descrevia? As palavras não revelam sentimentos de uma forma plena, cristalina... bem como as pessoas em suas relações vivem em constante conflito entre seus propósitos e ações... meu amor, talvez mesmo... aquele amor sonhado só tenha sentido no curto espaço das nossas fantasias... você constatou que é mais uma busca incessante do que um fato. Mas isso não te fez menos poético... estou feliz em te reencontrar após tantos anos... de ter visto você em seus dramas, de ver seus acertos... e os erros, estes eram sabidos... ou você achava que eu não contava com isso?! Ver a vida dessa nova perspectiva é bem mais calma... dessa ponto de vista conseguimos ter uma visão mais global... uma análise mais pertinente... mas não se trata só de lógica... - ela abandona o tom poético e profético, adota uma postura totalmente natural e ri... como sempre fez antes de virar anjo- aliás... lógica é algo que a descontinuidade da vida não tem... nós a inventamos quando saímos dela... e lá, no calor das emoções, somos obrigados a nos pautar por um estatuto qualquer... só para não enlouquecer... acho que nem todos conseguem... - ri muito, mas não de Ângelo, mas de tudo enfim- nós fomos bem loucos com nossa arte... quando desvelamos o nosso gênio indomável e subvertemos o estatuto que tentaram nos impingir. Eu te entendo meu amor... mas só sou capaz, só fui capaz naquela época, porque vivi a mesma coisa que você.
—      Por que, Teresa? Por que nossos olhares apenas se cruzaram? E nossas vidas ficaram à margem em um irremediável descompasso do tempo? Não nos é dado o direito de ser feliz nessa vida?
—      Você sabe que não foi só isso... você sabe que havia outras forças a nos separarem... você sabe que as coisas não poderiam ser de outra forma... o conhecimento nasce desse estado de incompreensão, o comodismo existencial de um amor perfeito é diametralmente oposto a qualquer forma de crescimento, você sabia que tinha algo mais importante para fazer... que teríamos toda a eternidade pela frente depois disso. Ângelo... é a fé que é pequena. É a fé que é pequena quando estamos lá. Você era jovem e inexperiente, eu já rumava para o fim da minha... aquele nosso encontro foi belíssimo, enriquecedor e surgi para te comunicar tudo isso... aliás, nada lá foi por acaso. Aqui... acaso é tudo o que não existe.
—       Senti sua falta... - a olha no olho, nesse momento surge um silêncio entrecortado pelo silvo do ar- senti sua falta...
—      Eu estou aqui... a falta não foi uma ausência, estive com você... até nas pequenas coisas. Você teria que criar um canal de comunicação novo... daí o papel da arte em sua vida. A falta que você sentia foi a motivação para a presença da arte em sua vida... a arte é uma expressão disso também... da ausência que sentimos de algo, de alguém...
—      Acho que do sentido da vida... acho que do sentido da vida... ela me pareceu kafkiana, o amor seria a promessa da dissolução dessa cortina kafkiana que envolveu a minha vida.
—      Não só a sua meu amor, não só a sua... um dos seus pecados foi essa veia dramática- ela ri meigamente e sua face revela bondade e compreensão, aquela que Ângelo encontrou ainda na sua juventude, brevemente e a perdeu para reencontrá-la anos depois... já velho em uma praia selvagem no nordeste brasileiro- mas que ao mesmo tempo o alimentou de temas e criações para a sua arte... fiquei orgulhosa de você, como uma mãe fica com os sucessos de um filho.
—      Nem mesmo agora? Nem mesmo agora que nasci para eternidade posso amar você sem me sentir um Édipo diante de um amor proibido?
—      Não, meu amor... aqui... não há tempo, e esses laços e vínculos biológicos já perderam o sentido.- ela ri... sempre espirituosa, Ângelo esquecera quão espirituosa fora a mulher que mais amara- Aqui... não há nascer ou morrer... somos eternos... - soletra pausadamente cada letra do nome ETERNOS, o ar acaricia o rosto de Ângelo.
—      Então a eternidade nos leva ao amor? Me recordo de um conto de Borges em que a eternidade é descrita como uma prisão... onde impera a falta de memória e o tédio. Seria isso mesmo?
—      Não... a eternidade é bela e seu sentido só pode ser compreendido quando aprendemos a amar, esse é o sentido de todas essas vidas... de todas essas experiências que acumulamos.


                                (... ... ... ... ... ... ... ... ... )

Rodrigo Caldas

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