Meu rosto está lá.
Mas eu fiquei esquecida na mesa. Não sou esta mulher, com a
qual o espelho tenta me enganar.
Estou em algum lugar onde esqueci a bola para que você
viesse procurar. E me encontrar perdida, o vestido lívido do desejo,
a boca espessa, procurando o conhecer do medo.
Lá na lembrança havia a pele do perigo que perdi nos
retalhos do desespero. E os olhos. Os olhos de pedido que enlouquecem.
Não me procure hoje com olhos de ontem. Não estarei mais
lá.
Ficamos os dois na tarde do proibido e nenhum pode seguir caminho.
Apenas corpos que se reproduzem através de dias. Apesar da seda
que foi se abrindo em fendas, íris em que permanecem brilhos, cujo
matiz esquecido já não toca o havido.
Não venha ao meu encontro neste espelho embriagado. Porque também
estarei fingindo o dia que não é mais. Estarei outra e outros
do não sei. Um homem que pensei entender mas foi tão cedo.
Talvez tenha sido de brincar. A vida pode não ser à sério.
Escondidas de nós as coisas bravas, mostrando sinais inexistentes
.
Quando olho para mim no teu espelho é uma outra mulher que é.
Não existimos mais. Nunca existimos. E a saudade na tarde da escondida
bola, brincadeira, foi apenas uma falsa memória.
Sentado nesta mesa de um bar qualquer, num dia sem e me esperando,
não é mais real do que a tarde cuja memória permanece
do que não é.
Está mais profundo no passado do que estou agora neste instante
em que a estranha do espelho acaba de chegar.
Sei que houve tudo e de saber vivo. Mas não de te encontrar
em bares, ou de espreitar o espelho mentiroso.
De saber que em algum ponto ainda arde. Uma dobra talvez da antiga
plenitude. A beleza que foi, tudo é presente.
É sempre hoje onde se quer de todo.
Saio do banheiro e fecho a porta com cuidado. Quero escapar outra vez
de mim.
Na mesa você espera com olhos de ontem. Mas eu te apunhalo com
a faca de sempre. O estilhaço do espelho que me viu.
Embriagado.
Maria Helena Bandeira