A MÃO QUE ESCREVE
Tarde morna. Brisa perfumada
balançando folhas. Pequenos pássaros, grandes borboletas,
extraem o pólen das flores no
cio. O gato, impaciente, quer carinho. O silencio, ensurdecedor, desperta
angustia. As bananeiras carregam pesados cachos,
não podendo viver sem esses fardos.
É a natureza irracional.
Latente...
Mentes insanas saboreiam
bananas. Olhos voam com a brisa. Ouvidos entardecem mornos. Mãos
seguram perfumes.
Braços se estendem. Corpos balançam mostrando seu sexo.
É a transcendental
natureza humana inerente...
Irreverente e astuta, a
Mão escreve. Coloca no papel palavras desconexas. Usa a imaginação
sem fantasia. Raciocina
sem coerência. Quer escrever tesão e só consegue
amargura...
Formas disformes encontram
ritmo nas palavras escritas sem recato.
Discrimina, escolhe. Não
resolve, nem põe término ao tédio.
Sacrilégio, escrever
sem ver, profanas palavras não escritas.
Um muro ergue-se diante
dos olhos. Chuchus escalam fios cortantes até o telhado.
As nuvens tudo percebem.
Aviões atravessam suas ruas etéreas...
Lânguidos pensamentos
esvoaçam desejos...
A Mão que escreve
é um lampejo de liberdade. Quer conhecer o braço que lhe
dá movimento. Descobrir o corpo que a
carrega. A cabeça condutora. A essência que a faz escritora.
– Não a deixarei
me corrigir – diz a Mão, persistente. Quero ver com meus próprios
dedos, sem unhas esmaltadas. Vou
errar sozinha!
Tento frear esse impulso
em vão. Ela, a Mão, é feroz e corajosa. Eu, insegura
e passiva.
Devo dominar essa Mão
desorientada. Sei que é preciso. Olho ao redor e me vejo só.
Nada pode impedi-la de continuar
seu intento. Lembro-me da outra mão. Porém, o que poderá
ela fazer, se é destra? Decido, finalmente, usar da força.
Faço a
outra mão agredi-la. Junto coragem e seguro com veemente severidade
a Mão dominadora.
Esta, revoltada, volta seus
dedos faiscantes para mim. Jogo meu olhar contra suas faíscas e
consigo, assim, controlar a
Mão.
Foi um processo de autodisciplina
válido e doloroso. O resultado está por surgir de minhas
entranhas. Do meu sangue
corrente intravenoso. Do escarro na garganta. Da náusea predominante...
Ligia Tomarchio
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