TORPOR

Não sei o que dizer. Não sei o que pensar. Flutuo como sombra imóvel de mim mesma, sem os antigos arremessos apenas espero, vendo até onde a vida me circunda, pairo como ar estagnado, vendo que ventos me sopram, eu, o último resquício de todos os meus sonhos, eu a espreitar a vida pelas frestas dos olhos, eu sangue estancado, eu grito contido, imóvel, doce, finalmente calma, eu que me aguardo com paciência, que me cerco nas esquinas cinzentas porque há de vir o sol, o inverno, o mau tempo, o outono onde todas as folhas mortas vão cair de mim

Eu torpor, silêncio, cisco no mundo, preciso instante entre o Antes e o Agora, evaporada gota, eu esconderijo nos barrancos a vigia o Tempo, camuflagem de pedras a espiar a Morte, eu Vida, onça, rajada, rápida, passageira, eu tique-e-taque sóbrio, pulsação de atabaques, instantes bolha viva

Eu poema surdo, papel guardado, riso frouxo, inermte me acompanho e cedo o lugar de mim, eu água parada, morna, turva, primeira namorada, derradeira curva eu me escuto, voz monossilábica, mansa, desatenta

Eu morte lenta, desmaio de gritos, compassiva, passiva, espectadora, eu mormoaço, madrugada, justo limite entre o Amanhecer e o Ontem, nuvem fotografada, branca, clara, que não chove a garoa da Vida tampouco se interpõe entre o sol e o mundo.

Glória Horta

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