Mel Cereléu

    Eu bem que devia ter desconfiado que as fadas andavam soltas no dia que Mel Cereleu chegou aqui em casa. O céu, numa abanada de rabo, abriu-se num jorro de anil salpicado de centelhas douradas. A avenca do jardim, insociável e rabujenta, arrepiou-se em verdes e afofou a terra para que Mel Cereléu passasse. As cambaxirras do telhado desenharam círculos alados sobre o encrespado molosso do corpo doce de Mel. Os gambás do sotão escalaram os galhos do abacateiro em flor só para ficarem perfumados e chegarem perto do pote dourado de Mel. Os lagartos, preguiçosos ao sol do meio-dia, abriram asas e viraram dragões. Mel Cereléu chegou anunciando brisas, furacões e ventanias num bufar babado de mel. Trouxe estrelas dentro dos olhos que de vez em quando piscam cometas e favos de mel. Trouxe o pólem das flores que já não mais existem mas que insistem em provocar espirros de mel. Trouxe o arco-íris com os seus duendes e um pote de mel.
    Mel Cereleu chegou como chegam as fadas: banhadas no ouro do mel. Chegou como chegam as sereias: espumadas nas águas do mel. Chegou como chegam os assombros: embrulhada na reticência de um céu de mel.

Marcia Frazão

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