não este
toda noite, quase, durmo-acordo e essas palavras aparecem, não sei, como fantasmas, “percorre a pele deste sonho”, e o bloqueio, nos poros dos sexos, a repetição, “percorre a pele deste sonho”, então penso, é pra escrever um poema, ou o poema, o umbigo do sonho, ou o do poema, que sonho esse “percorre a pele deste sonho”, e logo agora me desperta, é o começo de um mau poema que me insiste, um anti-poema, ou ainda , de modo mais verdadeiro, um poema simplesmente, um poema em si, um péssimo poema, e agora aqui me ocorre percorrer a pele deste poema e transviar minhas digitais de escrita pra dentro deste umbigo e instaurar nele uma babel de falas sem umbigos, de falas soltas, despatriadas, bastardas, sem pai, sem mãe, sem lei, sem língua oficial, sem anglicismos, latinismos, africanismos, ocidentalismos, orientalismos, sexismos, de outro mundo, que este mundo, aqui, os umbigos deste mundo me soam, neste momento que estou triste, como a cantiga funda e rasa, que faz e sofre essa tristeza, litanias de dramas inúteis. quero apenas me desarmar da palavra e sua lavra de primeiras, de segundas e de terceiras intenções; dessas tramas e ramas e panoramas de enganos, deste mundo, quero me desarmar de mim, de ti, de nós, alcançar, sim, o umbigo perdido, dos afetos esquecidos, nos tecidos opacos dos olhos de todos os rendidos, rendendo, sim, outros poemas. não este.
Luís Eustáquio Soares