Curuminha
O rio. Sempre o rio, sinuoso, correndo lascivo e sem pressa. Ela perambula pela margem, curuminha perdida e parida no leito do Negro, ninada pelo seu murmúrio, amamentada com sua água. Afilhada da Iara traz na boca o gosto do cajá, nos olhos os igarapés, no andar a onça pintada. A noite se faz escura, tão escura quanto o rio, noite e rio, rionoite, amalgamados. São um só, ambos negros, são mutantes, cintilantes, rio bicho, rio estrela, rio macho, pai do Boto e das curuminhas que vagam na noite.
- Vem, curuminha, se perder às minhas margens. Vou lamber teu cio; levante a saia e abre as pernas, espoje na areia fina, espume entre as coxas e uive de gozo.
O rio se insinua e ela olha, no fundo das águas escuras, todas as formas de ardores recolhidos, a miragem, a euforia que traz no corpo. Quando a noite vai mais fundo e a madrugada pipila com as aves da noite ela vê o homem que sai das águas, nu e moreno, faíscas do Negro na pele, vidente dos seus desejos. As águas rodopiam, se tornam abraços quentes, olhos de estrela, boca candente a devorá-la. A areia branca é leito dos desvarios, do abrir das pernas do escorrer da espuma, do ranger dos dentes. O Boto saliva em suas orelhas, afaga os ombros e lhe baba o sexo entre o gorgolejar da boca e o piar das aves. Dedos d'água penetram em seus cabelos, titilam os seios e lhe invadem o ventre. A cada gemido dela ele murmura e a engole mais e mais.
Quando o rio se recolhe, vazante e apaziguado, o Boto cicia, suave, marulha nas pedras, e vai embora.
Vera do Val