O silêncio

Começo da noite e a mulher acordou tropeçando no silêncio dele. Já ouvi isso em algum lugar. Quando se acorda e se tropeça no silêncio do outro é porque esse silêncio é grande demais. Pequenos silêncios você tira de letra mas os grandes são mais complicados. Quando você adormece deixa ele ali, ao pé da cama, esperando que quando acordar ele tenha desaparecido ou que você tenha se esquecido dele. Mas não ... ela acorda e tropeça ... ele está ali, surdo e cego como todo grande silêncio.

Impávido ! A espera-la !!!

Se agita, desesperançada, mas a vida tem que continuar. Quem sabe se ela ficar muito linda, se perfumar toda, usar o vestido mais vermelho , escolher o brilho mais bonito para iluminar os olhos, quem sabe assim o silêncio fique constrangido e vá embora.
Ela começa a se arrumar toda fingindo que o silêncio não existe, ele grita alto, porque os silêncios são sempre cegos e surdos, mas nunca mudos. Silêncios quando são doloridos, quando são silêncios de verdade ,dos grandes, daqueles que nos cortam a pele e arranham os ossos, gritam alto, lamentam e é difícil você escapar deles. Ela faz ouvidos moucos, escova os cabelos , usa sua sandália mais delicada, o salto mais alto, põe aquele colar que ele gosta tanto, se veste de lantejoulas e quando o silêncio se distrai um pouco ela sai de mansinho fechando a porta

Dança a ciranda noite toda, e borra a boca e amassa a saia. Quase ao amanhecer volta e, pé ante pé, espreita a sala.

E lá está ele ! O silêncio, avolumado e surdo, refestelado na sua melhor poltrona, pronto para lhe engolir todo o coração !

Vera do Val

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