ANDORINHA

Odeio a amplidão que vislumbro agora, pois revela o quanto me contive. O quanto evitei o vazio porque temia não ser capaz de preenchê-lo, mesmo que parcial e temporariamente. O quanto fugi do espanto da arte quando dava vertigens. A quem admirei para manter distante, inatingível. De lição em lição, a mesma treva. Nada aprendi por mais que repetisse. Primaveras esperançosas se foram. Todas as cores do arco-íris em vão. Sei que de novo virão, que retornarão. E então, quem sabe encontrem, com sorte, um coração mais aberto, um criançar da alma, uma enxurrada de pétalas se abrindo.

Ah! Se pudesse me rebaixar como a gueixa e manter a altivez da garça, sua postura! O amante perceberia a jóia rara guardada num cofre a sete chaves, há sete anos, somente para ele. Ou para outro qualquer por quem me apaixonasse. Exumaria ossos de antigos amores. Transformaria cemitérios em maternidades.

Ao invés do galo cantar, o cão ladrou anunciando tardiamente a madrugada que já ia longe em seu silêncio. Gemidos de prazer ou de dor podiam ser ouvidos, e a escuridão era como ter gazes nos olhos depois da cirurgia. De repente, uma canção mal começada e logo interrompida avisava como uma vida pode ser bruscamente ceifada. Sem sentido.

Se todos saíssem às ruas com uma vela acesa nas mãos, nem assim, creio, iluminaria a alma dessa cidade – e a minha – para sempre perdida. Meus perplexos olhos que, embora cansados, nunca se cansam de enxergar, vêem, às vezes, que não há mais solução. Que tudo deve continuar assim até um fim que não virá um dia, mesmo porque não estarei mais aqui para vê-lo.

Fui até a varanda, abri portas e janelas, escancarei as asas, ensaiei um vôo, mas não consegui voar. Serão elas grandes e pesadas? Ou é só muita pretensão? Domingo era um dia tão lindo, apesar da obrigação da missa e do faustão. Que me importa se caísse ao chão? Dois ou três pontos, uns dias de repouso, e tiraria novo brevê, se preciso fosse.

No entanto tenho medo. Mais do que medo (que instiga, provoca, desafia), prudência que paralisa, justifica a inércia. Esse chão lá embaixo onde pombas comem o milho atirado se parece com aqueles dias que ficaram para trás. Acontece que sou andorinha. Prefiro outro alimento e só preciso de bando no verão, as outras estações faço sozinha.

Ana Guimarães

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