NOTURNO DO EDIFÍCIO "KISMET"
No primeiro andar, sobre a casa de chaves, a sonâmbula abre a geladeira para tocar um ovo.
No segundo andar, há uma cópula de acrobatas.
No terceiro andar, um hidroavião sobrevoa o Saara pilotado por um poeta adormecido.
No quarto andar, o suicida ensaia seu naufrágio na própria banheira.
No quinto andar, a prostituta pinta as unhas para cintilar mais que as moedas.
No sexto andar, alguém soluça em sua cama de pregos.
No sétimo andar, vazio, há impressões digitais no ar.
No oitavo andar, o telefone gorjeia através dos sonhos.Sobre os telhados, estrelas dissolvidas no ácido ungem o edifício "Kismet".
Cláudio Feldman
Do livro: Vila Magra - Minicontos, Ed. Taturana, 2006, SP