As cores primeiras

Das cores do mundo, seis delas antecedem todas as outras. Cada uma com seus humores, seus extratos de poesia. O azul é um deus tímido, afeito a distâncias. Grandiloqüente, transparece se visto de perto: é assim o céu, o mar, os olhos de alguns. Mantém-se fiel ao sangue dos nobres, às penas dos sanhaços, às safiras.
O amarelo é um dúbio, um quase enganador: plagia-se sol e oferece-nos a luminosidade aquecida das manhãs, fustiga a cobiça humana sendo o ouro por vezes inalcançável. Habita o cabelo dos nórdicos e a pele dos orientais. Enriquece-os com isto. Quando triste, o amarelo revela-se na icterícia, na palidez faminta das crianças, na febre que carrega seu nome. O amarelo não tem caminho fácil: ou transita entre as alegrias da luz ou corrói-se doença e morte.
O vermelho é um suicida em potencial, dado a limites, a fronteiras de loucura. Confunde-se desde os primórdios com a paixão. Por isso tão espanhol, tão comunista. O vermelho é mordomo da utopia. A realidade não o emprega. Gosta mesmo é de revoluções, de atentados à ordem estabelecida. Encarnado no dizer dos antigos. Escarlate. O vermelho é um cão mítico. Lúcifer renegando infernos. Aprecia surgir no rosto dos envergonhados. Denuncia-os por pirraça. Não tem silêncio no vermelho. Não tem cabimento.
O verde é o estático: pasto, árvore, paisagem. Não quer movimento. Quando precisa ir, vai a saltos de grilo. Disfarça-se de esperança, apenas para permanecer sempre como uma decoração na parede, que às vezes se torna útil para algum salvamento. O verde não quer visitas, é um solitário, um abandonado e assim gosta de ficar: dentro de uma alface, nas folhas do abacateiro, no musgo dos muros. O verde é úmido.
O roxo é o religioso: o buscador da santidade. Seu jeito de busca é vestir os bispos, enfeitar os funerais envolvido nas coroas de flores. Parceiro da morte, cobre as imagens, os altares quando ela chega. O roxo quer ser salvo a todo custo, se oferece a Deus em violetas, ametistas, penitências. Confessa a cada minuto seu pecado ignominioso: um caso de amor com a raiva. Promete esquecê-la, não pecar mais, ter olhos somente para o Senhor. O roxo é frágil, ainda não resiste às seduções de sua amada.
O laranja: o mais belo de todos não tem nome de seu: emprestou-o de uma fruta. Não se importa com isso. Para ele é mais importante estar nos crepúsculos e nas auroras, recepcionando e despedindo-se da noite. Foi de lá, que teve a idéia de atrever-se em paredes, sofás e armários, de investigar araras, alguns peixes e o dentro dos vulcões. Foi de lá, que teve a idéia de ser o início do fogo.

Rubens da Cunha

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