KILIM



            Na minha cabeça ainda paira a magia de Cuma *, suas lendas e tradições da Capadócia, as tulipas do Sultan.
            “As meninas são prometidas a meninos, que não conhecem, com quem irão se casar. Como são pobres, tecem um tapete, que levarão como parte de seu dote.
             Primeiro tomarão conta dos carneiros, na paisagem branca e poeirenta, correrão pelas escarpas e chaminés de fada. Entrarão em cavernas escuras, cidades subterrâneas, em busca de cordeirinhos perdidos.
            Cortarão a sua lã.
            A lanolina extraída, vai suavizar suas mãos, proteger do frio a pele gretada, lubrificar metais, tratar os cabelos, engraxar as cavilhas do tear.
            Cardarão a lã, os fios serão enrolados e então o preparo das tintas e salitre para a tintura: anil, pistache, henna, açafrão, carvão, figo, curcuma, as cores são preparadas e a lã tingida, já nos varais e as linhas da tela do ‘kilim', esticadas no tear.
            Ao compor o desenho, a moça que ela agora é, relata ao esposo seus sentimentos de donzela, a força da primavera de seu corpo, seus mais íntimos temores e desejos, na trama de seu tapete.
            E os olhos treinados de seu futuro marido saberão interpretar essas mensagens. Pela espessura do fio, qualidade da tinta, textura da trama, combinação de cores, a narrativa do desenho, o dono do tapete saberá muito da mulher que irá tomar.
            Neste, a mulher enfeitou com as tulipas da ventura a margem fechada, contou uma linda história e fez um pedido a Allah:
            ‘Quando Mohamed estava divulgando o Qur'an, os infiéis condenavam seus discursos, perseguiam o Profeta e o ameaçavam de morte.
            ‘Um dia viu-se encurralado, mas Allah, o Misericordioso, mostrou-lhe o caminho de uma caverna. Mohamed correu para dentro e Allah, Compassivo, barrou a entrada com uma nuvem de andorinhas; depois fez a cidade dos morcegos, com seus trilo de espanto; em seguida, as aranhas teceram espessa cortina de teias, para proteger as pegadas do Profeta.
            ‘Em nome de Allah, Compassivo e Misericordioso, peço a mesma proteção ao lar que usa este kilim.'
            Isso é o que essa mulher habilidosa colocou no kilim que você vai comprar. Espero que goste, Mama.”
            E foi assim que Cuma (I am Robinson Crusoe's friend, my name is Friday) me fez entender a história de Penélope.

                                    Umar Miyatray, mercador de especiarias

Ane Walsh

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