Grafites
Meu caderno de infância tinha uma casinha feliz. Um cacto mal rabiscado, do lado esquerdo um sol, ao fundo uma bananeira com um coração flechado que eu nem sabia de quem. O caminho traçado a lápis ia dar lá no jardim, onde inventei passeios de portas abertas para um lago rodeado de grama verdinha, pincelado num belíssimo campo florido. Nesse cenário, nunca podia faltar um gato de rabinho enrolado e olhos arregalados, espreitando maliciosamente por entre os pés de “nove-horas”, com suas flores coloridas.
Meu caderno de infância tinha muitas casinhas felizes. Por trás de uma delas, subia um coqueiro alto indo bater lá no céu. Juntava-se às estrelas por entre todas as nuvens que ameaçavam chover. Chovia quando eu queria, nos desenhos que eu fazia. Sol e lua se encontravam e tudo se harmonizava sem nenhuma explicação. Para quê explicação?
A bandeira do Brasil flamejava milimetricamente, nivelada pela régua gasta e meu com(passo) de criança, que se alvoroçava de amor pelo País que me deu origem. O pau da bandeira era fincado entre flores e margaridas que eu ainda não sabia desfolhar, eternizada no meu bemquerer.
Com meu grafite eu desenhava o mundo inteiro! O que estava errado, eu podia apagar. Mas nunca apaguei estrelas. Quantas vezes me desenhei na noite a olhar as estrelas num céu limitado pelo espaço das páginas, mas tendo a certeza de que alguém no alto estaria a me olhar... Na minha imaginação de menina, era Deus quem me espreitava.
O vento? Nunca o soube desenhar. Mas no meu auto-retrato, os fios dos meus cabelos se esvoaçavam ante a brisa de uma infância feliz. Escrevia embaixo: EU. Todos os contornos coloriam cenas abertas e um final feliz. THE END.
Meu caderno de infância só nunca me revelou o tamanho da saudade que sinto agora. Nem da quase impossibilidade que tenho de desenhar o passado. Lá deixei os melhores momentos do mundo e os personagens mais próximos a mim: minha mãe, meu pai, meus irmãos e irmãs, que eu fazia todos de pernas finas, sorridentes e felizes. Eu ficava no meio, ninguém tinha ido embora... Toda a poesia da vida ficou naqueles grafites, de onde eu nunca saí.
Nilze Costa e Silva