SOLIDÃO BARULHENTA
De repente, foi como se eu engolisse um ventilador sem tela de proteção. Tudo triturado. Só restou um vento vazio soprando uma solidão barulhenta. Corpos carbonizados de amantes esquecidos atravancam o corredor de lembranças infelizes. Já nem dá pra trancar o armário arrombado e os poucos pertences de uma herança de sonhos são saqueados. Maldita hora em que resolvi deitar no divã do analista que nunca aceitou cobrar, mas que amputou minhas crenças mais singelas. Tudo tem um preço e paguei os juros por não ter dado o melhor de mim. Agora... é tolice. Há coisas que não se recompõem, tais como a ausência de remorso. Uma vez que se experimenta a culpa, nunca mais se retorna à luminosidade de acreditar-se bom. Como são infinitos os capinzais daquela infância distante, em que eu corria sentindo que poderia voar por sobre a morte das vontades não realizadas. Outras mortes correram mais rápido, deixando no ar um hálito de perdas. Inconclusão de amores prometidos. Nenhum desencanto ou desengano, apenas uma congestão de certezas impostas.
Gilberto Gouma