Sorris da Minha Dor
Enquanto os outros bebem, ele trabalha. Agachado. De cimento, sujo. Vassoura. Martelo. Na mão, calos. Os outros riem e bebem. Conversam e bebem. Se xingam e bebem. O homem bate o martelo. Quebra a pedra. Doi o dedo. Sangra as unhas. Os outros bebem e ignoram o homem de joelhos, fígado, barriga e coração. FOME. O homem se levanta. Calmo. Desolado. Se dirige a minha mesa. Olha a todos. Olhar derradeiro. Pega a faca. Segura-a no alto. Fura os dois olhos. O sangue espirra pela mesa e pelo rosto. Um grito de dor abafa o silêncio dos copos. Nunca mais deixarão de olhá-lo. Está vingado.
Tanussi Cardoso
Do livro: Boca Maldita, Edições Trote, 1982, RJ