A Corruíra

Canta, e dá um bom dia ao mundo, mas é tão cedo ainda, nesse setembro que nos ameaça cobrir de flores, que fico imaginando se mais alguém ouviu, além do Wilson Bueno, que comandava um exército delas. Quando a pequena trombeta da primavera canta, avisando aos distraídos que eles venceram mais uma estação, a beleza do cantinho é tão floreada em seus arabescos, que me benzo, vai que é Deus me chamando pra obra e ainda não escovei os dentes. Largo o tição que acende meu fogo interior e vou chupar um chimarrão embaixo da larangeira em flor, terapia de KH, na esperança que a corruíra cague em minha cabeça a sorte eterna dos inocentes. Aos poucos vou me compondo no abandono, me esvaziando das palavras, das idéias, das histórias, as roupas são cercas que nos separam do mundo, por isso, talvez, vou deixando nos varais do mundo a minha alma estendida. Mimetizado à terra, aos jardins, às árvores, às pessoas, e nesse embaralhado tear , mais um treino de quinze minutos e já ninguem mais saberá distinguir-me da paisagem, nem eu próprio, porque a igreja dos santos começa no telhado das igrejas materiais, é lá que a liberdade espiritual bate as asas e não adianta mais o velho hábito roto, a roupa se desfaz em nuvens, e a chuva de pássaros que voam das paredes caiadas das igrejas trazem nas penas, marcas cinzentas de reboco. O sino da pequena capela, bate seguidinho e desperta os bichos de sangue. Acordada a felicidade da alma não carece de grandes incêndios, pra encontrar o seu destino, um vagalume, que acenda e apague, na trilha escura, já basta.

Hélio Leites

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