Faz tanto tempo que se está esperando — o trem que não
vem, o trem de Belém — que as bagagens alheias, amontoadas
no banco, cheiram-me a poeira dos séculos: devem estar aqui, embolorando,
o caduceu de Mercúrio, a cabeleira de Absalão, uma peça
íntima de Cleópatra, um báculo de bispo, uma tabaqueira
de Luiz XV, um olho de vidro, uma fivela, uma bolsa de água quente,
um lenço com um nó, um... Pestanejo. Sinto-me tão
infeliz... Para que fui me meter nesse triste inventário, meu Deus?
E, a cada suspiro que dou, o meu anjo-da-guarda perde mais uma peninha
da asa.