Acomete-me o inesperado fim. Fim das descobertas
deitadas, à coração pulsante e veloz. Ao fundo a voz
suave e delicada; guia no grande oceano de "não sei", bote salva
vida nas tempestades do que insiste em permanecer insolúvel, mão
em que há muito, pela primeira vez, segurei para que fossemos juntas.
Essa que me fez coragem para comparecer e ir além — participar
de meu julgamento: o passado como testemunha, significados e significantes
enraizados e sementes como júri e o meu grande mar como juiz. Ela,
a voz: advogada — acusação e defesa, mas sempre a mão
que segurei, segura...
Quase sem perceber fui largando-a, deixando-me
ir... Sem mágoas de partida, o último abraço —
mãos que se soltam vagarosamente procurando um último toque
no desenlace.
A porta fechada atrás de mim deixou-me
a tristeza que é natural a tudo que morre, o sentimento que
agradece por ver, entender e aprender que há algo que faz da vida
— pérola...
Quando criança tecia imagens para que
meu mundo se povoasse — piratas sensuais, transgressores da lei e
da ordem raptavam-me e mantinham-me a mercê de seus desejos. Mistérios
e enigmas levavam-me a percorrer o deserto acompanhada apenas pelo animal
e pelas vestes humanas. Sinto ainda o cheiro das florestas úmidas
e sombrias nas quais buscava ruínas de uma cidade perdida.
Esse cheiro da infância — perdida talvez
naquela cidade incrustada nas paredes de histórias incertas.
Sacrificada em nome do PAI e da LEI. Em altar divino deixei o cordão
umbilical que dava-me a ilusão de segurança e de não
estar só. Deixei também as certezas...
E na travessia do último portal perdi
a culpa da partida — ausência de mim — e fui ser gente.