Cartas Na Areia
   

A proxime-se... sente-se velho amigo. A tarde está caindo e é servida aqui uma excelente bebida. Nesta taverna à beira-mar o tempo não passa, e as glórias e angústias passadas, parecem dissolver-se no constante vai e vem das ondas do mar. Lembra-se daquele tempo em que forças tempestuosas guiavam nossos destinos? E dos sonhos compartilhados nas madrugadas vazias? E quem pode nos acusar? Quem pode dizer que não éramos felizes? ...A felicidade cruel dos inocentes.
A tempestade lá fora servirá para preencher o vazio dos nossos corações, pois já temos vivência suficiente para assimilar a decepção que causamos nas pessoas que viam em nós, alguma coisa além do que fatalmente viríamos a ser.
Repare aquela moça rodopiando na chuva, sua saia com desenhos coloridos contrastando com a escuridão do mar. Nossa tristeza é fácil... farsa. Diga algo que me impeça cometer o impropério de ficar citando poetas mortos, e sua(nossa) dor fingida.
O tempo passou depressa e hoje confirmo a suspeita, já daquela época, de que tínhamos em comum a desilusão prévia da vida. Já via isso no profundo castanho de seus olhos.
São tantas as lembranças, tantos os nossos que se foram. Até parece que nossa idade não é media, mas final. Lembra-se daquele rapaz que se chamava Alegria? Eu sabia tão bem quanto você que Alegria era seu nome falso. Era uma tentativa desesperada de esconder sua enorme tristeza. Ele, como nós, já sabia de seu destino trágico. As vezes sinto saudades... ele poderia estar aqui... e brindar conosco num final de tarde como esse.
Sabe naquele longo período em que eu estive ausente? Quando minha casa era a rua, minha luz era a lua, e a fatalidade morava bem ali... de madrugada, nos botequins do centro da cidade. Eu me sentia tão só. Me entregava a toda sorte de aventuras tentando acalmar o imenso vazio que sentia no peito. Sei que você, também distante, provavelmente não se lembrava de mim, e sinceramente, raras vezes me lembrava de você. Pelo menos até onde eu podia compreender, pois hoje eu sei, e mesmo relutante tenho que parafrasear Clarice Lispector: "Eu era só de ti e não sabia".
Como são lindas as tardes à beira mar. Prefiro as tempestuosas. Nós podemos usar a imaginação e ver o azul do céu e o sol que se esconde além das nuvens negras.
Bem... hora de entrar. Espere... deixe-me arrumar nossas máscaras. O que é isso em seu rosto? Esta lágrima pode estragar sua maquiagem. Os convidados nos esperam e amanhã será um novo dia. Se você quiser posso ficar acordado até tarde, e quando todas a pessoas do mundo estiverem dormindo... poderemos sair... dar um passeio pela praia... catar umas conchas... sonhar uns sonhos. Quem sabe não aparece alguma serpente marinha... ou uma sereia... que com seu canto mágico rompa finalmente este fio tênue que nos prende a realidade...

Rigoberto Alves Borges

 
 

« Voltar