O Silêncio Sem Fim do Sabiá

            O sabiá  jazia inerte sobre a mureta de cimento que rodeia o pinheiro. Parecia ainda quente o seu  corpo repleto de formigas. Algumas roíam-lhe as pálpebras, outras ficaram com o bico, umas trinta preferiram a  asa esquerda, a que estava para o alto.
            Parecia um mendigo atropelado, ou um bêbado dormindo na calçada sob o  sol das duas, qualquer coisa, menos um sabiá que não sabia que o  pinheiro bem perto do outro pinheiro não era sequer pinheiro, era  apenas o reflexo, um fantasma de pinheiro em vidro espelhado do prédio  da ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO POSITIVO.
            Certamente quis passar voando veloz entre os galhos do “pinheiro” (como aliás fazem todas as aves com os pés nas nuvens) e acabou se surpreendendo com a dureza do ar entre aqueles galhos de Araucaria angustifolia, com o sósia plano de vidro espelhado que chocou  o bico contra o seu bico, as asas contra as suas asas, os sonhos contra  os seus sonhos...
            E o sabiá caiu atônito, mas não mais surpreso, pois ele agora conhecia todas as ciladas dos homens, porque toda a sua longa vida de dois anos  e meio passou diante dos seus olhos, os olhos que não sabiam que  o “pinheiro” não era pinheiro, era apenas a foto diurna do pinheiro no  vidro espelhado do prédio da ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO POSITIVO.
            E se fosse fêmea o sabiá? E se tivesse filhotes o sabiá? E se ao invés  de ter nascido homem eu nascesse sabiá no fim do milênio em curitiba? Em seu silêncio, o sabiá me contava o que aconteceu e o que acontece  quase todos os dias: dezenas de sabiás, e outros pássaros, que não distinguem o pinheiro real do pinheiro virtual de vidro espelhado do  prédio da ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO POSITIVO, morrem por semana. Pensavam que a natureza tinha produzido um milagre, um pinheiro de 30  metros em menos de dois anos, para constatar em seguida que o “milagre”  era humano e que  “milagres humanos” agradam apenas a olhos humanos,  acostumados a tanta “arte”, tanto “estilo”, tanta indiferença com a  vida... Pássaros não conhecem espelhos, a vaidade deles é coisa pouca, ou nula. Agora nunca mais a voz maviosa do canto do sabiá num canto qualquer da cidade...
            De que adiantou ter peito alaranjado, liberdade, voar? Não estava  preparado para o pinheiro ilusório de vidro espelhado do prédio da  ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO POSITIVO e morreu. Sem descobrir o objetivo da  vida, nem a vantagem de ter asas num planeta de seres sem pena.

Aluísio de Paula

 

 
 

 

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