LIGEIRA AUTOBIOGRAFIA

Brasileiro de Vitória, ES, nasci no dia 10 de setembro de 1943. Batizaram-me César Ferraz de Araújo. Meu pai chamava-se Rubens e Elza, minha mãe. Tenho seis irmãos. Sou de infância amazônica – telúrica e matosa – transbordante do colorido indígena das danças de bumba-meu-boi, impregnada de manhãs orquestrais de pássaros e dourada de frutos. Nu, menino dos igarapés manauenses, quantas vezes atravessei-os a nado ou andando sobre seus leitos esturricados nas vazantes, de onde brotavam tomates que me encantavam! Também pulei de pontes, entrei em batelões, remei canoas, nadei de casa em casa flutuante.

Trago na retina, ainda, o brotar das águas de cacimbas improvisadas e, no paladar, o sabor dos guaranás do Norte, dos tacacás em cuias, dos vatapás caseiros, adorava os tucumãs, a doçura dos sapotis e as mangas verdes com sal. Sentei sobre grandes tartarugas, velhas de duzentos-trezentos anos, persegui camaleões de metro e tanto, atacaram-me abelhas, pesquei peixes e pequenas cobras, colhi ovos em ninhos por quintais de mato. Pelas ruas arborizadas de mangueiras, lambuzei-me, joguei bola-de-gude, peguei morcegos, soltei papagaios. Curti a pele e me fortifiquei nas cambueiras e ao sol equatorianos. Civilizei-me-espiritualizei-me na natureza. Cheguei próximo à saudável grandeza natural dos índios.

Levaram-me os pais, depois, à juventude carioca, capixaba e fluminense de Niterói. No Rio, sinto a opressão dos apartamentos, mas me encantam o sal das águas do mar e as terras elevadas de morros e montanhas que a infância não conhecera. Em 1954, choca-me o suicídio do presidente Vargas, que eu vira em Manaus, quatro anos antes, visitando o Palácio Rio Negro.

No Espírito Santo – Vitória, Paul, Vila Velha, Campo Grande – amo e sou amado por meus parentes. Ali, por volta de 1955, leio Meus Oito Anos, de Casemiro de Abreu. e passo a gostar de poesia. Dois anos mais, escrevo meus primeiros versos, que se perderam. Convivo com uma família argentina – do cônsul Dom Rodriguez – da qual assimilo o castelhano, certa cultura e educação.

Em Niterói, estou desde 1960, fui soldado e cabo da Fortaleza de Santa Cruz, formei-me em Contabilidade e Direito e constituí família. Nessa cidade, e a partir dela, enveredei por diversos caminhos de vida e sobrevivência. Fui servidor público municipal por duas vezes. Depois, estadual. Fiz comércio de livros, obras de arte, imóveis. Trabalhei como noticiarista em rádio e comentarista em televisão, colaborei com jornais do Rio e Niterói. Atuei como ator em algumas peças, honrando-me em Pablo Neruda Solamente Amor no papel, em língua castelhana, do grande poeta chileno. Andarilhei por Estados brasileiros, autografando livros e levando a poesia em voz alta: São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Goiás, Brasília. Em 1972, quando participava do I Encontro Nacional de Poetas, em Fortaleza, após interpretar meu poema Da Liberdade! – medalha de Ouro no I Torneio Nacional de Poesia Falada, realizado pelo Estado do Rio, em 1968 – retiraram-me do Teatro José de Alencar, sob ameaça, e, na polícia federal da ditadura militar, obrigaram-me a dizer novamente o poema e a pagá-lo com algumas horas de detenção inquisitorial. Grato sou aos poetas brasileiros do Encontro pela liberação e por minha integridade física e moral. Exponho o acontecimento como um galardão de honra sobre os ombros do espírito.

Quanto a ser poeta, creio que o seria, mesmo analfabeto. Destino genético. Poetas foram meu avô paterno e seu irmão Caio Soter de Araújo que publicou, em 1916, sob o pseudônimo de João da Escola, um livro notável: “Ex-tudo” . Meu pai o fora ultrabissexto.

Sobre minha construção poética, penso que se desenvolve até do convívio com a arte dos pintores, atores, poetas, bailarinos, compositores, cantores, músicos e outros. A arte facilitou-me também o acesso à direção cultural de diversos órgãos: Diretório Central dos Estudantes da UFF, Casa Euclides da Cunha, em Cantagalo, Centro Orcal de Cultura e Arte, Ordem dos Advogados do Brasil e Casa de Cultura Norival de Freitas, de Niterói.

César de Araújo

Do livro:“Eu (im)pessoal” (texto atualizado)

Fonte: http://www.almadepoeta.com/cesardearaujo1.htm

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