O Quadro

Aquele quadro, pendurado na parede da sala do casarão, me conduzia a inúmeras fantasias em torno das minhas belas tias, tão prematuramente levadas a outras dimensões. Eu perguntava, ainda criança: onde estão elas? E ouvia: estão no céu.
Mais tarde soube da epidemia que as levara em um prazo de sete dias. A história me comovia. Devo ter ouvido uma centena de vezes.
Ambas noivas, uma com quinze e outra com dezesseis anos. A mais velha era linda: cabelos em cachos, boca delineada, olhar suave. Ambas de simplicidade impressionante. Sobrou-me um camafeu da mais velha, adornado com minúsculas pérolas. Dizem que, além da junção do nome delas, herdei da mais velha traços da beleza.
Até quando perdurará essa história? Quando todos se forem, a geração mais nova a terá esquecido. Não há mais o interesse pelo que aconteceu com as moças nestes dias que correm. O álbum de fotografias da família está desintegrando-se. Nos velhos tempos, exercia uma atração irresistível!
Continuo a olhar aquelas jovens antigas da mesma forma, e ainda me pergunto: onde estarão? Viviam cheias de sonhos, namoravam, dançavam, e de um momento para outro viraram um quadro... nunca mais foram vistas, nem as vozes ouvidas, ou a energia sentida...
Permanecerão na história enquanto indagarem: quem são elas? onde estão?
Até quando? Sinto que tudo já se distancia e os minutos correm descompassados, e não há mais tempo para esse tipo de pergunta...

A Bengala

 - Vou te dar  uma bengala no Dia das Mães.

- O  quê? Não uso.  Prefiro nem sair de casa.

O diálogo  antecedia  em dez dias o  Dia das Mães .

- Com a bengala você não precisa sair se segurando nas pessoas, nem nas paredes. Bengala não é indignidade ; é apoio, segurança.

- Não aceito, e chega!

- Olha só como você fica se apoiando nas cadeiras . Em pleno restaurante! Que vergonha! Se estivesse com uma bengala bonita, seria puro charme, mas fica com esse orgulho metido a besta...

- Cala essa boca, senão nem vou almoçar. Volto pra casa, faço um arroz e frito um ovo. Pára de me encher a paciência com esse troço de bengala!

E a bengala foi comprada lá no Shopping.

No Dia das Mães  saindo para o almoço num restaurante:

- Que bem-estar a bengala me traz . Tô saindo tranqüila, sem medo nenhum. E só treinei dois dias!

- Eu não disse?  Só continue tendo cuidado com os buracos das calçadas.

À tarde, se preparando para visitar uma amiga no mesmo edifício onde mora, pega a bengala  e se encaminha  para a porta.

- Pra que bengala?  

- É mesmo. Nem vou sair, né?

 Na  sala de jantar, entre vasos de cristais, candelabros, cristaleiras antigas,   ao lado de um grande vaso de flores, está ela, enfeitando o ambiente em suas horas vagas.

Belvedere

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