O SAPATO VELHO

Me encontro neste momento, mais uma vez, jogado aqui no canto do quarto: sob o criado-mudo, que me olha e nada diz!

Semana passada fui passear na beira do rio. João me calçou, suspirou profundamente e disse:

- Nada como o meu velho sapato, macio, folgado, gostoso!

Andamos perto da água, vi ele pegar muitos peixes. Depois descansei com ele na sombra deliciosa de uma árvore.

- Como a companhia dele me faz bem! Estamos juntos a tanto tempo. E eu o acompanho em seus melhores momentos.

Dias desses fomos passear nas montanhas. Eu o ajudei a escalar o velho morro e, o resguardei das pedras escorregadias.

O novo sapato dele diz que não agüenta mais ficar em seu pé o dia todo, suado, fedido e cansado.

Ah! Como eu queria ser este novo sapato. Eu jamais o apertaria, não o deixaria suar e protegeria seus pés dos fungos e micróbios. Mas acho que minha aparência já não é mais a mesma.

Tudo começou com uma foto que seu amigo tirou. Quando ele me viu calçado nos seus pés achou que eu estava velho demais. Outras pessoas também disseram para ele que estava na hora de me trocar, que não ficava bem ele andando no escritório com um sapato velho como eu.

Foi muito triste ver ele chegar com uma nova caixa sobre o braço, me tirar e chutar para debaixo da cama. Fiquei de lá olhando ele calçar aquele par de sapatos novinho em folha, brilhante, moderno (como eu já fora um dia). Me senti injustiçado por ser deixado de lado assim, sem um aviso, um carinho especial.

Mas, na vida tudo tem um sentido. Afinal eu pude descansar mais em minha velhice (como se eu quizesse). Embora, ainda sinta uma ponta de tristeza quando o vejo com aquele par de sapatos metido que nem me dirige a palavra, sinto que nos seus melhores momentos – é a mim que ele procura.

Não sei quanto tempo ainda agüentarei acompanhá-lo em suas aventuras, mas, enquanto for possível, seremos felizes!

Acho que a vida dos humanos é um pouco parecida com a minha.

Vera Vilela

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