Bicicleta com Marcha
 
Não havia muito que Bruno estava separado – pouco mais de um ano. Como em quase todos casamentos, muitas foram as razões que o levaram a separar-se, enumerá-las, fica difícil, simplificá-las, como a princípio fazemos, é leviano. Nos últimos anos não era um marido fiel, como nenhum o é, apenas os muito apaixonados, que em geral não dura tanto assim, e os desesperançosos e absolutamente acomodados. A princípio classificava a infidelidade como coisa da vida, ou ao menos inevitável ao gênero, pois assim foram seu pai e avô, eram seus amigos mais próximos e tanto quantos homens ele sabia; mas, romântico, era algo que bem não lhe fazia.
No último ano de casado conhecera Magda, jovem professora de geografia no mesmo colégio público que lecionava português. Encantaram-se – ele pela sua jovialidade e paixão pela vida, ela pelo seu jeito sonhador e apaixonado de falar – e tiveram um caso. Apaixonados, descobrira-se ali, Bruno, uma verdadeira máquina do sexo. No pouco tempo que tinham, normalmente em motéis baratos, compatíveis com o cargo que exerciam, eram duas, três... às vezes mais.
Separado e sem a limitação das poucas horas escondidos, sua performance melhorou! Em segredo, regozijava: “que desperdício de talento, deveria ser ator pornô!”.
O caso não durou, não que não houvesse paixão, mas Magda tinha também seus defeitos próprios a qualquer união e, com o conviver, Bruno percebeu que voltaria a mesma vida de casado. Achou melhor fica sozinho. Só que só, a máquina do amor emperrou: estava desatualizado na arte da conquista. Não era exatamente bonito e ainda não tinha um rol de amizades suficiente para usar a sua grande arma de sedução: a palavra.
Foi então que Bruno descobriu as salas de Chat. Lá, logo percebeu, primeiro se conhece as pessoas pelo seu interior, seus pensamentos. Descontados os que mentem a idade, sexo e entram só por farra, que, com um pouco de prática, são fáceis de serem identificados, os que sobram são pessoas sinceras procurando alguma companhia agradável. Bruno, ou Kzual – seu nickname, virara um verdadeiro amante pascalino nas salas de Chat. Havia sempre duas ou três a sua procura.
Um dia, porém, Kzual conheceu Lira Paulistana. Mulher, um pouco mais velha que ele, culta, empresária de São Paulo, viúva e disponível. Noites e noites de conversa resolveram se conhecer pessoalmente. Lara era seu nome. Na viagem, inseguro, tentava se controlar, não criar grandes expectativas.
Ia conhecer uma amiga. Podia rolar ou não mais coisas. Iam sair e dar uma volta. Mas era inevitável: “Como seria realmente ela? Ponho camisinha na mala? Aquelas fotos seriam atuais? Eram dela mesma?”. Resolveu pensar em algo diferente: o presente de aniversário da filha - uma bicicleta com marchas. Já havia passado na loja e pedido para montá-la. Lembrar da alegria da filha escolhendo a cor e os detalhes, amenizavam os cerca de setecentos reais que iria custar a bike e suas outras expectativas.
Chegou em São Paulo e ligou para Lara, que foi esperá-lo na estação Clínicas do Metrô, que era perto de sua casa. A vê-la, percebeu que não se enganara: ela era como se descrevia mesmo! Os sorrisos sinceros de alegria e o forte abraço inicial selavam o início de uma amizade ou talvez...algo mais. Para se conter e não demonstrar ansiedade ele pensava: “bicicleta com marcha” e funcionava.
Ela lhe reservou um Flat nos jardins que ficava perto de seu apartamento e combinaram de se encontrar para um drink e jantar. Bruno, pouco habituado a luxos, deslumbrou-se com o Flat, talvez um pouco caro para seus padrões, mas “uma extravagância de vez em quando faz bem”, pensou.
Conforme combinado, oito horas Lara passou para pegá-lo. Ele a convidou para subir e resolvem tomar algo ali mesmo. Após alguns champanhes, durante a conversa, finalmente ao vivo, que seguia animada, ele se lembra: bicicleta com marcha.
–   Aonde vamos? – pergunta ela.
–   Não sei. Você que é daqui. Escolha um lugar para jantarmos e tormarmos um vinho.
–   Conheço um lugar aqui perto. Na Alameda Santos. Parece bastante agradável.
–   Então vamos!
Bruno, como dissemos há pouco, que não é de luxo, impressionou-se de cara com a quantidade de manobristas do restaurante, depois com o requinte e sofisticação e, depois de algumas horas de bom papo, boa comida e bom vinho, com a conta: Trezentos e vinte e três reais! Pagou e agora por outro motivo lembrava-se do presente da filha: bicicleta com marcha. Viagem, Flat, jantar – lá se foi o presente da filha.
De volta ao Flat, convidou-a para subir. Já altos pelo champanhe e pelo vinho, a conversa era mais alegre e mais próxima: beijaram-se e explodiram-se em carícias acumuladas em bate-papos pela Internet, não mais Kzual e Lira Paulistana, mas sim Lara e Bruno.
Bruno, empolgado, lembrava há quanto tempo aquela “máquina do sexo” não era usada, mas tudo que lhe vinha na cabeça era a conta do restaurante e a bicicleta com marchas que fora gasta. Não deu outra, a máquina não funcionou.
Na manhã seguinte, pediu para Lara levá-lo a estação do metrô. Despediram-se com um beijo tímido e silencioso. Na viagem de volta, além do constrangimento, a única coisa que lhe vinha à cabeça era a bicicleta com marchas.

Antonio Fais

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