Eu nunca pensei que uma simples garrafa de vinho pudesse conter tantas lições, poesia e sensualidade, é incrível como este pequeno utensílio pode se transformar em um vaso precioso de onde podem brotar as magias da vida. Normalmente a garrafa costuma ser um dos disfarces que o diabo assume na Terra produzindo estragos de grande monta, mas, no caso da garrafa de vinho, eu diria que é algo que funciona assim como a lâmpada de Aladim, depois de aberta, libera toda a magia que um líquido sagrado pode proporcionar.
A atmosfera sofisticada que uma garrafa de vinho produz começa no rótulo onde podem ser lidas maravilhosas descrições de sabores que de tão detalhados e refinados se assemelham a tonalidades e matizes e onde podemos imaginar um arco-íris gustativo. O rótulo também, muitas vezes, pode nos levar a lugares bucólicos e pitorescos fazendo a nossa mente viajar por quintas, terroirs e chateaux. A rolha também é motivo de discussões internacionais pois, como sabemos, a cortiça, da qual se faz a rolha, além de ser um dos principais produtos de exportação de alguns países é retirada da casca da sobreira (corticeira) que leva cerca de dez anos para se regenerar e, por isso mesmo, de uns tempos para cá, vem-se tentando fabricá-las com outros tipos de materiais como silicone e aglomerado, porém sem o mesmo sucesso da cortiça, pois parece que estes materiais retiram um pouco do espírito que uma garrafa de vinho ostenta.
Mas é ao se adentrar a garrafa de vinho propriamente dita que se revela o verdadeiro espírito contagiante do vinho, já no gargalo somos envolvidos por uma atmosfera perfumada e entrelaçada de mil aromas, é o bouquet, que palavra bonita e sensual! Nada mais adequado para se descrever a sensação que se tem ao respirar o espírito do vinho. Dali mesmo já se pode ver a cor maravilhosa e seus milhares de matizes de cores comparativas com a natureza, esta visão extraordinária parece ser o vestíbulo pelo qual passamos antes de mergulhar no líquido sagrado e mágico. Finalmente estamos envolvidos naquele líquido macio, volátil e delicioso, é como estar dentro de um oceano de diamantes líquidos que banha nossa alma com frescura e aroma.
Éh! O vinho é mesmo fantástico, ele é saboroso, inebriante, sensual, calmante e agregador, éh! Agregador sim, alguém já viu acontecer algum desentendimento em uma mesa vinho? Creio que não. O vinho é o manto sagrado que se coloca sobre a comida para torná-la muitas vezes mais saborosa, é comum nos lares cristãos fazer-se uma oração antes das refeições para agradecer à Deus o alimento que se vai comer, sabe, eu acho que em seguida deveria se fazer também uma oração à Baco ou à Dionízio em gratidão à garrafa de vinho que se vai beber, pelo menos nos lares enófilos.
Éh! Uma garrafa de vinho é realmente um verdadeiro universo místico e que contém muito mais do que supõe a nossa vã enofilia, de lá brotam arco-íris de aromas, mosaicos de frutas coloridas e sabores sacro-santos que foram capazes até de esquadrinhar a boca e subdividi-la em departamentos, de lá brotam emoções, prazeres e luxúrias que só uma garrafa de vinho é capaz de patrocinar. Vinícius de Moraes dizia: “se o cachorro é o melhor amigo do homem, então o wisky é o cachorro engarrafado”, eu iria mais longe e diria que o vinho, desculpe o sacrilégio, é Deus engarrafado para presente.
Uma garrafa de vinho faz maravilhas na gastronomia, transforma, por exemplo, frango ensopado em “coq au vin” e suco de frutas em “sangria”, mas uma garrafa de vinho pode fazer muito mais do que isso, na gastronomia sensual, uma garrafa de vinho tem o poder de transformar um simples jantarzinho à dois em uma ode ao romantismo, à sensualidade e, algumas vezes quando combinado com uma lareira, até ao erotismo, por isso meu confrade, quando você atrair para a sua adega/alcova um espécime feminino, sobre o qual você tenha intenções degustativas, não prescinda jamais da inestimável colaboração de uma garrafa de vinho.
Leo Sliwak