Vendo Fusca 68
Meu primeiro carro foi um fusca. Eu tinha 18 anos e estava cursando o pré-vestibular. Meu pai e meu irmão, numa atitude solidária, compraram um fusquinha de um amigo do meu cunhado e me deram de presente.
A primeira namorada e o primeiro carro, a gente nunca esquece, por mais feios que sejam. Então, quando soube que aquele carro era só meu, fui aos píncaros da felicidade. O Volks era verde e eu o apelidei de sapão. Tinha inúmeros defeitos, mas era o meu sapão.
Por exemplo, com uns dois meses de uso, percebi que o fundo do carro balançava com grande facilidade. Quando tirei os tapetes para dar uma geral, vi que, na verdade, as bandejas onde se assentam os bancos estavam apodrecidas . Mas não era só isso: o freio era temperamental e às vezes funcionava, às vezes não. A embreagem dificultava a engrenagem. O freio de mão veio quebrado e, como não tinha dinheiro para consertá-lo, ficava sem ter como parar em estacionamentos desnivelados.
Resisti bravamente e convivi com o meu sapão durante três anos. Quando o vendi, o comprador foi um desses sucateiros que pesquisam carros em pechincha no jornal. O sujeito me ligou às sete horas da manhã e às oito já estava na minha casa, levando-o para nunca mais.
Ah, saudades do meu sapão! Não consigo identificar todos os motivos que levam uma pessoa a ter vontade de resgatar coisas que não chegaram a ser um exemplo de prazer, mas o fato é que fiquei com saudades. Pode ser que a nostalgia realmente tenha me batido por causa do meu “fusquinha”, fiel escudeiro de noites de namoro. Pode ser, também, que tenha me batido por causa da juventude, que é o tempo em que a dureza e os destratos da sociedade não são suficientemente relevantes para traumatizar as nossas vidas.
Felipe Cerquize