Bolsa de mulher

O tema já tem gerado artigos e crônicas incontáveis, mas sempre haverá algo a dizer sobre ele. Quem nunca ficou curioso sobre o que carregam as mulheres em suas bolsas? Quem nunca desejou dar uma espiadinha no que há ali dentro? Quando a mãe diz ao menino “Pegue o dinheiro na minha bolsa!”, o moleque fica horas mexendo ali, fascinado por aquele receptáculo cheio de mistérios, freudianamente associado ao órgão sexual feminino.
De fascínio em fascínio, com ou sem conotações eróticas, a bolsa feminina é muito mais do que uma forma de carregar confortavelmente os inúmeros objetos necessários à sobrevivência da mulher no mundo-fora-de-casa. Mais do que o conteúdo, o continente assume também valores significantes, quando se associa a modelos, cores, tamanhos e, principalmente, griffes.
Sou doida por bolsas. Se fosse uma mulher rica, cheia da grana, estou certa de que teria mais bolsas do que sapatos, roupas ou jóias. A primeira bolsa da minha vida me chegou aos cinco anos de idade. Era uma bolsa velha da minha avó, de couro cor-de-vinho e forrada de camurça bege, fora de uso. Mamãe deu-me a bolsa para brincar e ela virou minha arca do tesouro, meu relicário secreto, onde eu guardava tudo que achava de precioso e mágico. Não me lembro desses objetos, mas lembro-me da bolsa e consigo rememorar fielmente sua textura macia, o contato da camurça do forro, e o suave deslizar do fecho interno. Depois, aos dez anos, tive uma bolsinha branca, minúscula, cilíndrica, do tamanho de uma caneca de café, que me acompanhava às matinês do cine Babilônia em Campina Grande, acompanhada das luvas curtas de crochê que as meninas usavam nessa época.
Aí minha memória dá um salto grande e lembro das bolsas que usava no tempo da faculdade, bolsas de tecido, bordadas à mão, que eu mesma fazia, e das imensas bolsas de couro da era hippie, que usávamos ao ombro e que iam até o joelho. Em 1979, comprei no Rio, num butique da N.S.de Copacabana uma bolsa feita com contas de madeira que me acompanhou durante anos, testemunha de aventuras e noitadas, e cujos restos eu ainda guardo com carinho no baú das coisas velhas.
Carrego nas minhas atuais bolsas pouca coisa. A carteirinha La Reina com dinheiro, cartões e documentos, que nunca encho de papéis; o batom no seu estojo com espelho; uma minúscula escova de cabelo; o celular; a câmera fotográfica; caneta e caderneta; um leque; e o porta-bolsa, que é um ganchinho usado para pendurar a bolsa na mesa do restaurante, deixando-a segura e à mão. Gosto de bolsas grandes, que caibam também livros e um casaquinho para agüentar o frio ar condicionado dos cinemas. Tenho também um sistema para evitar que a bolsa se encha de tranqueira e de porcaria; sempre, sempre, sempre, ao chegar em casa, esvazio o seu conteúdo numa cesta que tenho especificamente para isso e penduro a bolsa no cabide da parede, junto com as outras. No outro dia, quando vou sair, só coloco dentro da bolsa - a mesma, ou outra diferente — as coisas listadas acima.
Eu tinha poucas bolsas. Tinha uma preta e outra vinho, da Carmen Stephens, compradas em liquidação; uma bege, sem griffe, grande e maravilhosa, de alças graduáveis e couro macio e delicioso de tocar; e uma de damasco rebordado de contas para sair à noite. Era uma coleção modestíssima, porque sou exigente e era muito difícil encontrar algo nas vitrines que eu gostasse; quando gostava, não podia comprar. Depois que descobri La Reina Madre, em agosto de 2006, já tenho algumas, e hoje parece que me visto para as bolsas, ou seja, simplifico o figurino para que as belas bolsas de Denize Barros, a Rainha, possam realçar.
Se minha mãe fosse viva, diria que tudo isso é uma bobagem. Ela nunca usou bolsa. Foi criada no mato, onde os vestidos sempre tinham um bolso, e as mulheres sempre andavam acompanhadas não precisando, por isso, carregar nenhum pertence. Depois quando, adulta, veio morar na cidade, não se habituou a usar bolsa. Tinha uma carteira, dessas de colocar cédulas, onde colocava dinheiro e documentos, e levava na mão, ou “no seio”, como ela gostava de dizer, enfiada no sutiã onde também - pasmem! - carregava um punhal de 37 centímetros de comprimento para auto-defesa, dizia ela.
Se hoje ela fosse viva, iria adorar as bolsas coloridas de La Reina Madre, mas iria amar sobretudo as carteirinhas, tão floridas, tão macias, tão espetaculares, tão parecidas com ela na sua multidão de cores, tão de acordo com sua herança cigana e árabe, para carregá-las no farto seio de carinho e amor, junto com o punhal. Essa era minha mãe, Cleuza Santa Cruz Tavares. Saudade.

Clotilde Tavares

Enviado pela autora
Veja imagem das bolsas de Clotilde em: http://www.lareinamadre.com.br/?p=6430#more-6430

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