Fotografias cinéticas

Quando a dei a você, dei não apenas minha futura constante presença. Dei-lhe a mim mesma. Mas, como a relação não mais se relacionou tal a harmonia do nascimento, tomei-me de você. Trouxe-a para perto de mim. Ela não poderia mais ser sua propriedade. Fiz-me a reintegração de posse. Desapossei-o dela para dela apossar-me novamente.

No primeiro momento, ela hesitou em vir comigo, mas eu estava decidida a afastá-la de você. Você não foi digno de possuí-la por uma carga horária significativa.
Zanguei-me, por isso, com ela, castigando-a, então, severamente: lancei-a no mesmo jardim de ossos onde jazia a sua.

Porém, com o tempo, ressuscitei-as, mudei-as de ambiência e passei a visitá-las periodicamente. Olhava-as, acariciava-as e punha-as de novo no novo lugar, lado a lado. A sua visitei mais vezes, saudosa. Passada essa fase, num ímpeto de descarrego, rasguei a sua todinha,
tim-tim por tim-tim.

Todavia, tão logo chegou a fase do arrependimento, catei-a, desesperada, para colar os pedaços que por ventura achasse. Uniria pedacinho a pedacinho até tê-lo inteirinho a meu dispor. Se conseguisse, iria emoldurá-la e colocá-la num lugar de destaque. Mas, sempre que a olhasse, lembrar-me-ia de que, no passado, aquele Frankenstein, que ali me sorria torto, picotara assim também meu coração, deixando, porém, ao tempo o trabalho de remendá-lo e de forçá-lo a pulsar a vida novamente.

Janete Santos

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