Sandálias

Aquelas sandálias, outrora na sala, me trazem emoção.Talvez ternura, amor. Piedade. Lembravam o peso do dia -a -dia daquela mulher. Sandálias fatigadas. Quantas histórias não teriam pra contar aquele pedaço de madeira a trotar...
Toc, toc, toc.
Tum, tum, tum. Era como um coração a pulsar.
Esquisito. Agora, ali, olhando um simples par de sandálias senti vontade de chorar. Era ela. Seu ar, seu perfume, seu cotidiano.
Seu charme, sua pressa. Sua companhia.
Havia amado, um dia...
Bonita, de louros cabelos e de olhos azuis. Amor à primeira vista.
Todos os dias, ela acordava cedo para comprar o pão quente. Fervia o leite e cortava umas frutas. Sempre bem disposta. Logo que chegava em casa, deixava as sandálias na sala. Aquilo me irritava. Mas nada dizia...
Quanta falta fazia!
Um par de sandálias na minha frente. No meu quarto. Junto da mesa de cabeceira.
Olhando as fotos estampadas nos portas-retrato. Uma sandália com vida.
Isso me fazia sofrer...
Parecia que falava comigo; contas a pagar, marcar médico, comprar presente.
Fazer feira.
Caminhar. Quanto tempo ela não passeava; apenas andava.
Olhando o formato dos pés, dos dedos, da alma.
Peguei nas sandálias, passei uma graxa e embrulhei.
Sai correndo ao encontro dela...
Só queria pedir para ela calçar e voltar.

Verônica Aroucha

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