O sofá

De tudo o que consta da biografia recém-lançada de Bill Clinton, a única coisa que vi anunciada nos jornais, por enquanto, foi a informação de que Hillary o colocou pra dormir no sofá por dois meses, no auge da crise Monica Lewinsky. O sujeito foi Presidente dos Estados Unidos e o único destaque da sua biografia é esta ceninha doméstica, típica de um episódio de A Grande Família.

Se as paredes falassem, diriam: eu não vi nada, pergunte pro sofá. Este sim é o grande personagem dos ambientes familiares ¿ ou dos ambientes nem tão família assim. O sofá é o rei da sala. Foi, por muitos anos, o local onde os namoros começavam, na época de nossos avós. Do portão para o sofá era um upgrade, o cara já podia se sentir noivo. Glupt.

Até hoje muitos namoros começam no sofá, só que em apartamentos de solteiros. É ali que se dá o primeiro beijo, o primeiro amasso e muitas vezes a primeira transa, quando a excitação é tanta que não dá tempo de chegar no quarto.

Há sofás em bares. Há sofás em aeroportos. Há sofás em camarins. Ainda se faz teste do sofá? Acho que hoje as coisas inverteram. Teste do sofá, só se for pra escapar de uma roubada. Millôr Fernandes tem uma piada ótima sobre o assunto. A garota é escalada para um papel tão ruim que começa a gritar no estúdio: pelo amor de Deus, para quem que eu tenho que dar pra sair desta novela?

Mas retomando: o sofá é a segunda cama dos maridos. É pra onde são despejados em caso de briga. Nesta hora baixa uma Lisístrata nas mulheres e todas recorrem à greve de sexo. Expulsão do leito matrimonial. Um clichê reprisado em tudo quanto é lar, o que me parece um exagero. Ora, brigou, não quer saber de clima? Tudo bem, cada um vira para o lado da cama e resolve o assunto amanhã, não precisa fazer cena de teatro, jogar o travesseiro em cima dele e se trancar sozinha no quarto.

Meu marido já dormiu na sala várias vezes, admito. Mas por razões menos mexicanas. Não gosto de ar condicionado, que ele adora. Em dias de calor senegalesco, lá vai ele pra sala refrigerada feliz da vida, enquanto eu me satisfaço com um ventilador de teto. Eu sei. Ninguém vai querer publicar nossa biografia.

Martha Medeiros

« Voltar