NO MEIO DO CAMINHO, TINHA UMA ÁRVORE

Um dos poetas mais celebrados do Brasil foi também o primeiro “barbeiro” do Rio de Janeiro, mas não no sentido de quem faz barba e cabelo e sim no pejorativo mesmo, de mau motorista. Em 1897, o Rio de Janeiro recebia o seu primeiro automóvel, um peugeot preto trazido da França pelo jornalista José do Patrocínio, um dos maiores incentivadores da Lei da Abolição da Escravidão, de 1888. O veículo era francês e movido a vapor d´água, com fornalha, caldeira e chaminé.

Nem é preciso ressaltar que o fato constituiu-se em grande novidade e alvoroço na cidade, que apesar de ser a capital do Brasil era tranqüila, com suas charretes, tílburis, diligências e bondes de tração animal. O inferno dos engarrafamentos, buzinaços e escapamentos de motor ainda estava muito longe de azucrinar a vida da pacata cidade.

A circulação do automóvel de José do Patrocínio, guiado pelo próprio, provocou um verdadeiro pandemônio por onde passava, assustando os animais que puxavam os demais veículos e, claro, os transeuntes que circulavam distraídos pelas estreitas ruas da cidade, sem imaginar que dariam de cara com a invenção que se transformaria em um dos símbolos mais fortes do século que estava para começar, o século da urgência e da mecanização.

Tudo ia bem até que certo dia o poeta Olavo Bilac se interessou pela geringonça e resolveu ter aulas de direção com José do Patrocínio, inaugurando, sem saber, o primeiro curso de auto-escola da cidade. Bilac, no entanto, como motorista mostrou-se um excelente poeta, pois na primeira vez que circulou com o veículo, tendo José do Patrocínio como carona, espatifou o carro contra o tronco de um árvore, na Estrada Velha da Tijuca.

Sabe-se que nem todo brasileiro é apaixonado por carro, mas José do Patrocino o era. Até porque o seu era o único da cidade. E sua desolação foi imensa, pois seu carro foi a primeira “perda total” da cidade. Quem não ficou triste, com certeza, foi o povo carioca, ao pensar que ao invés de um tronco de árvore poderia existir um pedestre no meio do caminho.

A tranqüilidade, no entanto, durou pouco. Cinco anos depois, Fernando Duval trouxe o primeiro veículo movido a motor com explosão, da marca Decauville. O carro não tinha capota, o motor era de dois cilindros e o escapamento era livre, sem silencioso, aí já dando para imaginar que a tal explosão do motor tinha realmente um sentido bem literal.

Obs: Agradeço a Drummond pela inspiração do título. Pelo que eu saiba, o grande poeta mineiro era mais chegado a passear pela orla de Copacabana do que a dirigir.


N. A.: Texto de André Luis Mansur, feito em parceria com o pesquisador Ronaldo Carneiro


REMINISCÊNCIAS (V): O RADINHO DE PILHA

Para quem está acostumado com Ipod, MP3, MP4 e outras siglas exóticas, a visão de um radinho de pilha deve se assemelhar à de um fóssil por um paleontólogo. Com tantas mídias se cruzando em aparelhos cada vez menores, fica difícil explicar como era a relação quase amorosa entre o ouvinte e seu aparelho.

Embora o fone de ouvido não seja uma invenção recente, o que o ouvinte gostava mesmo era de colar o radinho no ouvido, como se fosse um prolongamento do aparelho auditivo. É interessante ressaltar que os fones eram chamados muito apropriadamente de egoístas, já que só permitiam a escuta ao dono do aparelho.

O som geralmente era cheio de ruídos, seja em OM (ondas médias) ou na FM (frequência modulada), que só era possível captar com uma pequena antena, muita vezes reparada com um pedaço de bombril na ponta para melhorar a captação do som.

O radinho vinha com um laço para o dono segurá-lo com mais firmeza, embora suas quedas fossem constantes, o que provocava a abertura do compartimento das duas pilhas pequenas (quase sempre Ray-o-vac, as amarelinhas), que se espalhavam pelo chão. As pilhas garantiam o funcionamento do rádio por um bom tempo, já que o gasto de energia era pequeno.

Um dos horários de maior utilização dos radinhos de pilha era a tarde de domingo, devido às já referidas partidas de futebol. Neste período, quase todos os porteiros de edifício mantinham seus radinhos ligados. Aliás, esta categoria é uma das poucas remanescentes a manter o uso dos radinhos, assim como empregadas domésticas e aposentados, que adoram ouvir programas do tipo “Debates populares”, marcante na época em que era comandado por Haroldo de Andrade na rádio Globo. Aquele que começava com o famoso “Concerto para orquestra e piano nº 1”, de Tchaikovsky.

Companheiro fiel também da hora de dormir, o radinho de pilha já embalou o sono de muita gente com outro clássico das ondas médias, as curiosidades enunciadas pela rádio relógio acompanhadas do famoso bordão “Você sabia?” Hoje, o radinho está completamente fora de moda, tanto que nem nos estádios, onde era um elemento de integração social na hora de uma dúvida sobre o que estava acontecendo no campo, ele é mais ouvido.

André Luis Mansur

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